Creio que minha presença em Beirute, no último dia 4 de agosto, não foi mera coincidência. Eu estava a 1,4 quilômetros do local da gigantesca explosão que arrasou grande parte da cidade. Como referência, tudo dentro de um raio de 2 km foi severamente abalado ou destruído. Com certeza absoluta, esse foi o dia de maior adrenalina da minha vida. Antes da descrição dos fatos, segundo a minha perspectiva, falo aqui dos eventos pessoais anteriores a essa tragédia.
Minha mulher, Constança, está cursando um programa de mestrado na Suíça, desde janeiro. Minha programação para este ano seria alternância entre o Rio e Lausanne, a cada três semanas. Como sabemos, a pandemia da Covid-19 nos impactou de maneira abrupta e, dessa forma, fiquei impossibilitado de transitar livremente entre os dois países desde março. No final de julho, passados quatro meses sem nos vermos, conseguimos achar um país livre de restrições de circulação de pessoas, tanto para residentes no Brasil quanto na Suíça; assim, poderíamos nos encontrar.
Esse país foi o Líbano. Como disse anteriormente, não foi coincidência. O país de origem de todos os meus antepassados estava me proporcionando o reencontro com minha mulher, depois de longos 120 dias de distância física, algo que nunca passamos em nossos 11 anos de relacionamento, sendo cinco de casamento.
Nos encontramos no Líbano no dia 25 de julho e curtimos uma semana mágica juntos. Mesmo com toda a crise econômica, as cidades de Beirute e de Byblos nos proporcionaram momentos inesquecíveis. No dia 1º de agosto, a Constança voltou para a Suíça, a fim de continuar o mestrado. Eu teria mais uma semana no Líbano, cuja programação seria dividida entre Beirute e cidades do interior onde nasceram meus avós e meu pai. Aí, veio a monstruosa explosão do dia 4, a terça-feira que pra mim se tornou inesquecível.
No momento da explosão, eu estava no quarto do meu hotel, sentado na poltrona, com o laptop aberto e de costas para a porta da varanda. Primeiro, veio um barulho imenso e, na sequência, um tremor muito forte. Levantei-me e me afastei de forma instintiva da varanda. A seguir, de um jeito inesperado, fui atingido violentamente pelo deslocamento do ar. A esquadria da porta da varanda foi lançada para dentro do quarto, quebrando-a, e grande parte do quarto foi danificada. Com o impacto, tive pequenas escoriações, como um machucado no braço esquerdo, cortes nos pés por andar descalço no corredor, pisando em cacos de vidro; na verdade, depois ficaram em carne viva, por eu ter saído correndo e sem meias.
Não sabia o que estava acontecendo. Imaginava algum ataque terrorista ao hotel ou a uma região muito próxima. O primeiro impulso foi descer diretamente em direção ao lobby, mas mudei de ideia e resolvi “jogar” tudo meu dentro da mala e seguir para o aeroporto. Estava com medo de um possível fechamento da cidade ou do tráfego aéreo do Líbano. Desci as escadas com minha mala e avistei tudo totalmente destruído na minha frente, com funcionários machucados e hóspedes chorando.
Tomei a decisão de sair dali e pegar um táxi para o aeroporto, o que, de fato, eu consegui depois de 15 minutos de caminhada em um cenário apocalíptico, com prédios e lojas destruídos, carros sem vidro, cenário de destruição generalizada. No trajeto para o aeroporto, descobri que a explosão foi acidental. De toda forma, não tinha condições de continuar no país, já que grande parte de Beirute estava devastada, deixando centenas de milhares pessoas desabrigadas.
No aeroporto, consegui antecipar meu voo para a mesma madrugada. Cheguei ao Brasil, na quarta-feira à noite, dia 5. No dia seguinte, desembarquei na minha cidade, o Rio. Superado isso — maneira de falar — em tempo bastante curto, tenho agora um outro desafio. Quero muito ajudar a arrecadar fundos para recuperar Beirute e, com certeza, ela será reconstruída, como tantas vezes no passado. Sendo libanês ou não, segue endereço da Cruz Vermelha libanesa.
Michel Touma Daher, 33 anos, empresário de incorporação imobiliária, é carioca, filho de libaneses.