Com o aumento da violência doméstica na pandemia, veio à minha cabeça não só a minha história mas também o desejo de muitas mulheres que passaram por isso saberem que a vida não acabou! Dá pra levantar!
Eu sempre me considerei uma mulher cuidadosa com as minhas amizades. Tive dois casamentos de 12 anos e um filho maravilhoso. Gosto de ter uma família e viver sempre em harmonia, rodeada de amigos, levar uma vida ativa no trabalho, no esporte e no amor ao próximo. Acho que, sem essa troca, a vida não tem sentido.
Depois de cinco anos da minha separação, estava sozinha e tinha acabado de voltar de um intercâmbio na Austrália. Iria montar uma escola de estética a preços populares para ajudar mulheres de baixa renda a ter uma profissão. Aí, meu sonho foi interrompido.
Através de uma foto que meu filho postou no Instagram, recebi 2.000 solicitações de amizade. Feliz e orgulhosa, pois meu filho é lutador de jiu-jítsu, aceitei as solicitações, entre elas, uma de um homem de 28 anos, advogado e trabalhando em uma empresa multinacional, que me enviou mensagens dizendo que acompanhava a carreira do meu filho e que adoraria conhecer-me e dar-me um abraço.
Dizia que gostava de conversar e que me achava alegre e simpática. Ali nasceu uma amizade despretensiosa, que foi perdurando por sete meses e meio. Ele sempre me procurava e fazia convites, que nunca aceitava, pois não sentia no meu coração vontade de conhecê-lo pessoalmente. Porém, depois de tanta insistência durante todo esse tempo, resolvi combinar um vinho no meu apartamento — achava mais seguro. Esse encontro aconteceu e, sem que eu percebesse, ele colocou uma droga no meu vinho, molestou-me e me espancou durante quatro horas.
Quando me vi sendo esmurrada violentamente, pensei que estava em um pesadelo e tentei acordar, mas não conseguia. Foi então que percebi estar acordada e que aquilo era real, estava acontecendo ali na minha frente: um monstro me desferindo golpes terríveis. Ele fraturou o meu rosto completamente; quebrou meu nariz, dentes, áreas orbiculares, fundo de olho, estraçalhou minha boca por dentro e por fora; perfurou meu pulmão; desferiu-me cinco mordidas; causou-me insuficiência renal e anemia profunda.
Naquele momento, eu pensei que iria morrer, mas sabia que estava viva e que ainda podia lutar. Pensava no meu filho e que eu não iria me entregar assim tão fácil — enquanto eu tivesse forças, não iria desistir da vida!
Ele pensou que eu estava morta e foi embora, deixando-me ali, caída toda ensanguentada, assim como meu apartamento, que ficou totalmente destruído. Finalmente o socorro chegou e passei sete dias no hospital, sendo quatro no CTI. Quando pude olhar-me no espelho, vi meu rosto totalmente desfigurado e, a princípio, fiquei com pena de mim, mas eu sabia que tinha duas opções: poderia escolher me vitimizar ou ser forte, erguer a cabeça e seguir em frente, ressignificar a minha vida! Claro que escolhi a segunda opção. De frente para o espelho, olhei bem no fundo dos meus olhos e falei comigo mesma: você vai ser forte, vai dar a volta por cima, vai se recuperar o mais rápido possível e retomar a sua vida!
Dali, comecei uma nova vida, com uma força incrível que encontrei dentro de mim, com muita fé e a certeza de que Deus me abençoou para que eu mostrasse a todo mundo que soubesse da minha história que jamais uma mulher que passou por uma violência deve sentir-se humilhada ou envergonhada. Quem tem de sentir-se assim são os agressores, e não as vítimas.
Recebi inúmeros convites para participar de programas de TV e entrevistas. Foi aí que senti a oportunidade de mostrar a todas as mulheres que é possível, sim, levantarem-se com dignidade e recomeçar. Senti um desejo enorme de me tornar uma ativista do combate à violência doméstica e ajudar as mulheres que passaram por isso também.
Se fosse pensar como muitas pessoas, eu teria vários motivos para achar que minha vida tinha acabado, mas, não; eu fiz justamente desse acontecimento o motivo para recomeçar e mudar a minha história e a de muitas mulheres.
Participei de uma CPI onde sugeri que exames toxicológicos e ginecológicos sejam feitos em mulheres que passam por violência doméstica. A OAB fez uma súmula inspirada no meu caso, no qual os estudantes de Direito não obterão a carteira caso tenham denúncia de violência doméstica. Hoje, participo de várias redes de enfrentamento à violência e estou me formando em um curso de capacitação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e da Secretaria Nacional de Políticas para as mulheres, a fim de dar atendimento àquelas que sofreram violência. Hoje estou mais forte do que nunca e posso dizer para todas: a vida não acabou — encontre essa força incrível dentro de você. Ela existe!
Elaine Caparróz é paisagista e ativista no combate à violência doméstica desde que foi vítima de tentativa de feminicídio (que durou quatro horas) pelo estudante Vinicius Batista Serra em fevereiro de 2019. A partir dali, sua vida transformou-se. O agressor está preso.