É possível voltar a se apaixonar com meio século de vida? Acreditar em amor eterno depois de amores eternos terem durado tão pouco? Em amor sem traição depois de ter traído tanto?
E por que querer de novo a ansiedade diante do telefone que não toca, da carta que não chega, da campainha que não soa? Agora, bem sei, seria diferente — não há mais cartas, quem chama é o porteiro, pelo interfone. Mas abriríamos quantas vezes a caixa de entrada dos e-mails, verificaríamos de quantos em quantos segundos se a mensagem foi visualizada?
Drummond derrapou na curva dos 50; Borges, na dos 75; Niemeyer, perto dos 100. Eram gênios, e aos gênios são concedidos dons inacessíveis aos mortais. Como o de transformar sílaba e concreto em poesia — logo, também, resignação em esperança.
Para a maioria de nós, entretanto, a paixão não sobrevive ao advento do juízo, dos cabelos brancos, do direito de estacionar nas melhores vagas e de furar a fila nos bancos. É que, assim como os ossos se tornam menos densos, o coração enrijece. Se enche de sangue mais vagarosamente. Não consegue acelerar nas subidas íngremes que a geografia do desejo nos reserva.
Já teremos, nessa idade, descoberto que há a paixão e a paixão. São, ambas, substantivos femininos, mas tão diferentes entre si quanto duas mulheres podem ser. Uma é “sentimento, entusiasmo, predileção ou amor tão intensos que se sobrepõem à lucidez e ofuscam a razão”. É a paixão de Riobaldo, de Anna Karenina, de Florentino Ariza. A outra, “sofrimento, martírio”, como a paixão de Cristo.
Vivenciamos as duas, misturadas, impelidos pelos hormônios, pelo relógio biológico, pela urgência de “Sentir tudo de todas as maneiras, / Viver tudo de todos os lados, / Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, / Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos / Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.” Fernando Pessoa pode ter sido contido e prosaico nos seus parcos amores, mas Álvaro de Campos sabia o que era estar apaixonado.
A paixão é mais fácil quando a carne é firme e, paradoxalmente, fraca. Quando os olhos enxergam melhor e veem menos. Quando a memória é perfeita e, ainda assim, se esquece tudo com maior facilidade.
Aprendemos a distinguir a paixão adolescente — essa vocação para idealizar, essa aventura de estar à deriva — do amor maduro, cheio de compreensão pelos defeitos do outro, ancorado do porto seguro do companheirismo. Cada um viria a seu tempo, cada um teria sua ocasião — como o tempo de plantar, o tempo de colher.
Mas e quando os batimentos cardíacos aceleram e não há cloridrato de propafenona ou chá de casca de limão que deem jeito? Quando a ansiedade não baixa nem com o combo de maracujina, Netflix e diazepam? A única coisa a fazer é aparar a barba, cortar o cabelo e tocar um tango argentino.