Estou nos Estados Unidos, desde fevereiro; peguei todos os capítulos desta pandemia em Nova York. Agora estou numa nova fase, quando se percebe que as roupas pretas, casacos e botas estão guardados e faz um calor daqueles de matar, sim, porque o calor de NY é muito pior que o do Rio. É uma coisa sufocante, claustrofóbica, insuportável. Os meses vieram, misturando-se entre as semanas e domingos que viravam segundas, totalmente iguais. Mas, de repente, o calor faz a gente perceber que lá se foram seis meses.
De qualquer forma, continuamos focadas no norte do positivo e da esperança, e as notícias pra quem já foi o pior lugar da pandemia no Planeta são boas. A contaminação é menos de 1%, as pessoas estão praticamente todas de máscara e, apesar do “Black Lives Matters” (“Vidas Negras Importam”) e da farra de verão nos Hamptons, a tendência da curva continua igual: pra baixo.
Nos estabelecimentos, as reações a quem não está de máscara acontecem aqui e ali. Outro dia, uma mulher foi arrastada, esperneando, pra fora do Starbucks, porque disse que ia tomar café sem máscara, que era seu direito de cidadã. Saiu carregada aos berros.
Semana passada, fui ao Bloomingdale’s, pois, como minha caixa que vinha do Rio com roupas de verão foi roubada, eu tinha só uma havaiana e um tênis comprado aqui, pra usar neste calor. Entrei nesse templo do consumo, parecendo um camundongo de medo. Mas o medo se transformou em surpresa e depois, em tristeza. O meu, o seu, o nosso Bloomingdale’s estava completamente vazio. Atravessei todo o andar de maquiagens e perfumes, passei pelas bijuterias, dei uma olhada na parte masculina, e nada… nenhum comprador!
Os vendedores interagiam com seus celulares ou com os colegas, pra não morrer de tédio. Quando subi pela escada rolante, dei-me conta de que a música estava alta, maravilhosa: play list 80’ e 90’s, Diana Ross, Donna Summer, Tina Turner… Interessante um play list de vozes femininas, mas que a gente nunca escuta porque tem sempre milhares de pessoas em volta falando, comprando. Cheguei ao andar de roupas “casual”, e quem sabe, três clientes além de mim e da Filippa, minha filha. Detalhe: tudo com 50% de desconto e mais 50% em cima do preço final. Saí impressionada; esse vírus, de brincadeira, não tem nada.
Os restaurantes estão todos com mesinhas do lado de fora, usando as calçadas e também espaços de vagas que foram cedidas pela prefeitura — e que graça que está! NY sabe receber, entende de showbizz. Toldos, luzezinhas, plantas, garçons bonitos, todo charme vale pra conquistar freguês, e conquista mesmo. Primeiro, os espaços das calçadas foram estendidos até 31 de outubro, e esta semana soubemos que funcionou tão bem que todo ano agora, a partir de primeiro de junho, os restaurantes abrirão oficialmente, para a temporada de verão. Mas, por enquanto, tudo com muito álcool em gel.
O Central Park continua magnífico: música, picnic, distanciamento, gente correndo, mas a maioria de máscara. Acho que NY foi tão atingida que aprendeu a lição da pior forma; afinal, usar máscara é muito melhor que ir para o entubador.
E assim vamos seguindo em frente e treinando (porque não tem outro jeito) uma das lições da pandemia: viver cada dia sem planejar um futuro muito distante. Dr. Faucci, o diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, uma sumidade aqui, disse, essa semana, que a fase três da vacina provou que a imunidade adquirida foi maior do que a das pessoas que tiveram a doença, ou seja, tudo indica que vamos sair desta, que iremos nos abraçar de novo, que o comércio vai voltar, que a bolsa vai bombar. A chave de tudo é usar máscara ou, como dizem aqui, mask up!
Ana Luiza Rego é artista plástica.