Se tem um político que entende do Rio, é Luiz Paulo Corrêa da Rocha. O deputado estadual, em seu 5º mandato, com 18 anos de Alerj, é um workaholic assumido. Ficou mais, digamos, em evidência, nos últimos meses, por ser o autor do pedido de impeachment de Wilson Witzel, que estava parado desde julho, quando o presidente do STF, Dias Toffoli, determinou mudanças na Comissão Especial, mas que foi liberado pelo ministro Alexandre de Moraes nessa sexta (28/08), mesmo dia do afastamento do governador por suspeita em crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Luiz Paulo acredita que, em três sessões, o impeachment estará pronto para ser votado no plenário da Assembleia, e que será aceito por 99,9%.
Na entrevista à coluna, o engenheiro civil formado pela UFRJ, que fica em filas (ao contrário de alguns colegas) e jamais deu uma carteirada na vida (deve ter um significado), fala do Rio, seus governadores desastrosos e da recuperação da economia pós-pandemia.
Como foi a sexta-feira (28/08) para o senhor?
Um dia triste, mas, ao mesmo tempo, isso teria que acontecer porque as investigações são bastante fortes e os indícios da responsabilidade do governador, o homem mais relevante do Estado, robustos; e também de muitas outras pessoas ligadas diretamente a ele, tanto é que foram denunciados. O governador, especificamente, teve um pedido de prisão, mas o ministro do STJ Benedito Gonçalves decidiu pelo afastamento. É um dia triste, mas tem que se fazer justiça. Esse comportamento continuado de corrupção tem que ser debelado no nosso Estado e no País, principalmente em período de pandemia; isso, para mim é crime hediondo.
O que o governador poderia alegar para se manter no cargo via judicial? E o que a Alerj pode fazer para evitar isso?
Não existe explicação, muito menos justificativa. Do ponto de vista da corte do STJ, é um crime normal de corrupção e lavagem de dinheiro, e do ponto de vista do impeachment, é crime de responsabilidade. São duas coisas distintas. O impeachment não é um tribunal de justiça – é um tribunal político que julga a admissibilidade do impeachment; então, o que determina a Lei Federal 1.079, de 1950, é que seja examinado se há crime de responsabilidade e, caso comprovado, o governador é afastado para depois ser julgado num segundo tribunal político e jurídico. Aí, se for culpado, deixa de ser afastado, para ficar definitivamente cassado. A defesa dele será por escrito; em seguida, a Alerj vai investigar a acusação, que é o meu pedido de impeachment, e fazer um relatório dizendo se ele é culpado, mas quem decide é o plenário. No meu entendimento, a chance de o plenário admitir o impeachment é de 99,9%.
O que isso significa para o Rio?
Não podemos ter um governador com acusações tão sérias num envolvimento de esquema de corrupção, principalmente, mas não só na área da saúde em período de pandemia, em que o registro de morte no nosso estado está em mais de 15 mil, com milhares de pessoas contaminadas. Então, esse governador não pode continuar no cargo; por isso, é necessário o impeachment. O afastamento mostra que não podemos ser tolerantes com corrupção.
O ministro Alexandre de Moraes revogou a decisão que paralisou o impeachment na sexta (28/08) e mantém o rito do processo. Foi uma vitória?
Ele reconheceu que o rito estava correto, e agora nós teremos que aguardar apresentação da defesa, com prazo na próxima semana. A defesa será entregue ao relator, que vai apresentar à comissão, que decidirá se acolhe ou não o relatório. Qualquer que seja a decisão, vai a plenário e, se acolhida, o governador será afastado pela assembleia por 180 dias, o que não pode ser revogado. Depois vai ter uma segunda comissão, composta de cinco deputados estaduais escolhidos pela Alerj e cinco desembargadores sorteados entre todos do Tribunal de Justiça, presidido pelo presidente do TJ, que julgará o mérito do crime de responsabilidade. Se o TJ considerar o crime, ele será cassado. Todo tribunal tem que ter duas instâncias. A primeira é da Assembleia, que admite ou não o crime, e a segunda é que julga o mérito. (O afastamento atual de Witzel não tem impacto no processo de impeachment que tramita na Alerj; é baseado na Operação Placebo, que investiga supostos desvios na Saúde e cujo desdobramento afastou o governador).
Qual o tamanho do seu amor pelo Rio e quais as primeiras lembranças da cidade?
Eu nasci e fui criado no Engenho de Dentro, na Chave de Ouro, um bairro que faz divisa com Méier e Água Santa. Jamais vou esquecer porque eram basicamente três funções na vida: jogar bola, soltar pipa e estudar. A vida de subúrbio não é igual à de apartamento, onde as crianças soltam pipa no ventilador, jogam bola de gude no corredor e chamam a galinha de Knorr. A vida no subúrbio era na rua, solto, com liberdade. Eu sou da época em que o Rio era Distrito Federal. Nasci em 26 de dezembro de 1945, às 7h45 da manhã, sou Capricórnio, ascendente Aquário com três planetas em Libra. Sou um astrólogo amador. Fiz curso primário em escola pública, depois transcendi o Rio do subúrbio e fui fazer curso na Escola Técnica Nacional, no Maracanã. Tem um recanto da cidade que gosto muito, a Quinta da Boa Vista, porque eu fazia meu curso de Geologia no Museu Nacional, que fez parte da minha vida. Vi o Rio virar Estado da Guanabara.
A vida seguiu e o senhor virou político. Por quê?
Eu acabei a Escola Técnica, passei para a Faculdade de Engenharia e ali me politizei, porque eu era a favor da democracia, e nós vivemos o ano de chumbo. Entrei no serviço público, no Departamento de Estrada de Rodagem da Guanabara, no governo de Carlos Lacerda. Logo que entrei nessa transição, veio o Golpe Militar. Participei ativamente do movimento estudantil e me politizei bastante. Naquela época, era muito claro: ou você era a favor da ditadura, ou era contra. E você, sendo contra, unia todos; não tinham tantas divisões porque existia um objetivo comum: acabar com a ditadura. Em 1981/82, filiei-me ao PDT para apoiar Leonel Brizola, não para ser candidato, mas para aliar a força de trabalho à política. E fiz umas obras muito interessantes como engenheiro: os Cieps, a Linha Vermelha… Daí o governo Brizola acabou e fui requisitado para o município. Entrou o governo do prefeito Saturnino Braga, assumi a diretoria de obras públicas, mas o governo faliu. Na eleição seguinte, Marcelo Alencar venceu e convidou- me para ser o Secretário de Obras e Urbanismo; aí, eu já estava definitivamente na política. Fizemos dezenas de obras, entre elas, a Rio Orla, com a cultura da ciclovia e dos quiosques do Leme ao Recreio; o calçadão de Ramos com iluminação feérica; a ciclovia da Lagoa; a recuperação da Praça Paris com show de Bibi Ferreira cantando Edith Piaf; portanto, eu conheço o Rio como a palma da minha mão. Foi tão positivo que ganhamos as eleições para o governo do Estado. Alencar foi eleito e fui vice-governador. Em 1998, candidatei-me a governador e fui derrotado; ganhou o Garotinho. Quatro anos depois, tornei-me candidato a deputado estadual e me elegi com experiência grande. Então procurei me dedicar a áreas que acho vitais — orçamento e tributação —, que têm pouca gente especialista. Estou vivendo meu quinto mandato há quase 18 anos, e trabalho muito. Considero-me um workaholic.
E como o senhor sintetiza a passagem dos últimos governadores, cinco deles presos?
Lembrei-me de um ditado popular muito usado na minha época: “Para se conhecer o vilão, basta lhe dar o bastão”. Eu acho que isso sintetiza o que aconteceu com os últimos governadores. Esse poder inebriante vem junto com a corrupção. Eu acho que é um processo cultural. O poder de um governador ou prefeito deve mediar os conflitos da sociedade com o viés do menos favorecido. Essa é a minha compreensão do que é governar. Ser governador não é para se perpetuar no poder, não é para ficar único e exclusivamente ambicionando novos cargos públicos de maior relevância, tampouco acumular recursos para si próprio ou para campanhas vindouras. Enquanto essa ótica não for destruída – e será -, não se avançará. Eu sempre fui um apoiador integral da Operação Lava-Jato. Acho que os homens públicos, sejam eles quaisquer, podem ser meu irmão de sangue, coração, pode ser eu mesmo, mas, se tem alguma suspeita, tem que se investigar. Ao mesmo tempo, o que é um político, o que eu posso querer deixar de legado? Através da minha atuação, a qualidade de vida dos cariocas melhorou um pouco. Então temos que respeitar essa cidade linda, respeitar os 92 municípios, não só as belezas naturais como também as pessoas, tentar dar dignidade.
E o Rio dos sonhos para seus filhos e netos?
Só vai existir se fizerem todos juntos. Não há salvação e paraíso para um só; a salvação é coletiva, somos passageiros do mesmo barco – vide o exemplo com a pandemia. Ninguém mais, neste mundo, isoladamente, pode deixar um legado substancial, só a ação coletiva. Para isso existir, o tema central é sempre uma educação de qualidade.
Continua tendo orgulho de ser carioca?
Tenho orgulho de dizer: sou carioca, fluminense, porque nasci no Rio, porque eu moro no Estado do Rio, mas, para que não haja confusão, sou torcedor fanático do Flamengo. E sou brasileiro. E tenho orgulho porque o nosso povo é muito bom, fraterno, e está resistindo ao longo dos anos. Meu lema é resistir sempre, não perder a esperança nunca e gostar de ser brasileiro, fluminense e, principalmente, carioca.
Acredita que a economia do Rio será retomada no pós-pandemia?
Acho que vai ter uma revolução no modo produtivo. O trabalho remoto vai ser propagado. Isso tem um lado positivo porque pode dar mais eficácia; no entanto, também vai reduzir os postos de trabalho. A economia vai recuperar-se, mas de forma lenta, porque não é só Rio e Brasil, é o mundo inteiro. A pandemia está dando um exemplo para que o Estado do Rio tenha um plano estratégico de desenvolvimento econômico e social de, no mínimo, 10 anos, para dar rumos à nossa economia. O Rio e o Brasil estão sem rumo, sem governabilidade; planos de desenvolvimento são a questão. É preciso transformar determinadas regiões em polos hospitalares já que temos uma fantástica Fiocruz, as melhores universidades deste país e precisamos aumentar nosso potencial industrial porque produzimos pouco, mas consumimos muito. E esse crescimento só vem com planejamento.
Na minha compreensão metafísica, o ser humano está no mundo para dar certo, da forma mais humana, mais igualitária possível. Então, mais um lema: resistir sempre, desistir nunca.