Estou em home office desde o dia 17 de março, em lockdown durante os primeiros 40 dias. Já tive a Covid-19, completamente assintomática. Já me livrei dela, mas tem tentáculos maiores que um polvo gigante — suas sequelas são inúmeras. No meu caso, nada a ver com saúde física, mas com questionamentos pessoais e profissionais; o mundo mudou, não tem volta e, assim como ele, as relações.
Aproveitei esse longo período de reclusão mandatória para me distanciar das redes sociais e olhar para dentro. Foi muito importante pra mim; hoje, sem dúvida, sou um ser humano muito melhor. Estranho dar esse testemunho no meio do caos mundial, mas é a mais pura verdade. Estou aproveitando este tempo para ler mais, sobre os mais diversos assuntos: religião, filosofia, história, ciência…
Estou revendo profundamente meus valores; ando tão seletiva sobre minhas prioridades de vida, sobre as pessoas ao meu redor, assistindo a tanta falta de coerência, irresponsabilidade, ignorância, que, em certos momentos, fico muito assustada e me pergunto: para onde caminha a humanidade?
Sou uma pessoa otimista por essência e de muita fé, mas, por conta da pandemia, comecei a me conectar mais com Deus, a ler mais sobre espiritualidade, parei de ouvir os noticiários alarmistas e contraditórios, discursos absurdos de políticos acéfalos, me pautei por uma conduta experiente dos especialistas de saúde e entrei numa viagem dentro de mim mesma.
A sensação de impotência perante a pandemia gerou um imenso espaço para o autoquestionamento. No meu isolamento, me perguntei muito sobre meu real propósito de vida e se faço algo relevante para o mundo, se realmente estou feliz com o rumo da minha vida pessoal e profissional, adquiri um senso de urgência de assumir uma missão que vá além do sucesso material, uma causa maior.
O propósito é o caminho do legado. Propósito sem legado é apenas uma viagem no egocentrismo. O coronavírus chegou para cobrar das pessoas, das empresas e dos governantes uma revisão de prioridades. Em relação à parte de consultoria do mercado de luxo, que é meu foco, realmente estou muito reticente, porque a realidade já não estava boa. Já tinha se retraído pela crise financeira do País, principalmente do estado do Rio, o que foi agravado com todo o problema das CPIs, da Lava Jato, enfim, muitas pessoas foram atingidas direta e indiretamente. Esse mercado tem que se reposicionar.
As grandes empresas mundiais têm que repensar a forma de se colocar, tem que ter um engajamento social muito grande, reverter parte dos lucros para trabalhos sérios, algo assim. As pessoas vão ter que pensar muito na hora de consumir, com mais consciência; é uma fase de adaptação. Em termos de eventos, a não ser os mais corporativos, muita coisa vai continuar no online, porque não vejo um mercado se recuperando a médio prazo, não. Desde o começo da pandemia, estou revendo a minha estratégia de trabalho, de tudo.
Não tenho dúvidas de que a experiência provocada por esse vírus deve deflagrar novos questionamentos existenciais e humanistas, bem como mudanças de governança política e de modelos econômicos. Velocidade e adaptabilidade são essenciais para esta crise. Mas, quando os primeiros sinais de normalidade começam a surgir, as empresas não devem ser complacentes, e sim dobrar as medidas de recuperação e resiliência, pois esse será um momento de transformação sem precedentes.
O desemprego e as dificuldades financeiras — para trabalhadores em toda a cadeia de valor, em todos os países do mundo, dos mais ricos aos mais pobres — provaram que é o momento de revisão das virtudes da ordem do capital: o individualismo, a acumulação ilimitada, a indiferença em face da miséria de milhões, a exaltação do lema do mercado financeiro: “greed is good” (a cobiça é boa). Será?
Estamos aprendendo, a duras penas, que a cobiça é o maior mal da humanidade, trazendo dor e destruição das mais variadas formas. O coronavírus está alterando o equilíbrio de poder entre as nações e, conforme pesquisadores, redefinirá os rumos da geopolítica e da economia, pondo fim a um ciclo e inaugurando uma nova ordem mundial. Rezo para que a humanidade aprenda a lição e que essa nova ordem transforme nosso planeta em um mundo melhor. Amém!
Patricia Brandão é relações-públicas e consultora de mercado de luxo, atualmente no Fairmont Rio e na L’Officiel Brasil.