Para algumas mulheres, a beleza pode ser uma maldição. Em especial aquelas dotadas de uma perfeição paralisante, que monopoliza a visão e oblitera os demais sentidos de quem se vê (ou melhor, se cega) diante dela. Catherine Deneuve, Tônia Carrero, Bruna Lombardi devem ter padecido desse mal.
Há mulheres igualmente belas, mas de outro tipo: as donas de uma elegância que mobiliza, que instiga. Na sua presença (física ou virtual) se apura a audição, a atenção é redobrada. Essa classe de beleza é uma bênção, porque não compete com nenhum outro dom. Danuza Leão poderia ser a musa dessa categoria. Não consigo pensar em ninguém mais solar, mais dominical.
Talvez porque domingo fosse dia de ler Danuza, de ver o mundo pelos olhos (e que olhos!) da Danuza. De acompanhar sua prosa sem papas na língua, um papo reto sobre o que quer que fosse. No seu texto, o luxo era tratado com desconcertante simplicidade e o simples era sempre luxuoso. Coisa que quem conheceu o grand monde e não perdeu a sensibilidade para as grandezas do ínfimo.
Ler Danuza era bom também porque havia na sua escrita um exercício pleno da liberdade. Um destemor que saiu de moda com o advento das patrulhas do politicamente correto. Quem mais, além dela, escreveria que toda mulher deveria ser assediada pelo menos três vezes por semana para ser feliz, sem ter que explicar a que tipo de assédio se referia, sem pedir perdão aos que se arvoram em donos dos significados das palavras e das intenções dos autores?
Os que não conseguem ir além da superfície que fiquem no raso: Danuza sabia exatamente o que queria dizer, e disse. Quem viu na sua fala uma defesa do abuso é porque nunca leu Danuza. “‘Namorai-vos uns aos outros’; deveria ser um lema, o amai-vos a gente deixa para depois.” (…) Esse namoro, ou charme, ou flirt, não tem nada a ver com beleza, idade, posição social. É só pelo prazer, e pobres dos que são imunes a isso, não sabem o que perdem. Namora-se crianças de berço, gatos, cachorros, o macaco do Jardim Zoológico e, quando se começa, sempre há um retorno: faça a experiência e depois me diga.”
Então eu digo: faz tempo que namoro a Danuza Leão. De longe, como costumam ser os melhores namoros — e os mais duradouros. Eu, lá no interiorzão de Minas; ela, na televisão, nas capas das revistas, nas páginas dos jornais. E quase a pedi em casamento (palavra que, segundo ela, não pode ser pronunciada) no dia em que li um texto seu sobre praça de touros, ou algo assim. Eu, que acho tourada uma das coisas mais estúpidas do mundo, consegui abstrair da crueldade e ver o que ela via. Porque era de outra coisa que ela falava, e as coisas têm muitas camadas.
Danuza não é desse mundo careta e covarde. Pode-se discordar dela, achá-la “elitista” (como se isso fosse um defeito!), mas não deixar de admirar sua leveza, seu charme suave. “O Rio é uma cidade incrível, sobretudo no verão. E mais incrível ainda porque é verão, praticamente, o ano todo.” Danuza parece falar de si mesma, ela que costumava fazer de qualquer dia um domingo — tão solar quanto ela – para seus leitores. Um domingo assim, como este 26 de julho, em que o inverno acorda se achando verão, a gente namora (de longe…) o mar e, ainda que não haja Danuza nos jornais falando dos pequenos e maravilhosos prazeres da vida, há esse pequeno e maravilhoso prazer de dizer “feliz aniversário, Danuza”, a musa dos domingos, do signo de Leão. (Foto: Lu Lacerda)