“Eu gostaria, na verdade, que ele aparecesse”, declarou o advogado de Flávio Bolsonaro à revista Veja. Referia-se a Queiroz, comparsa do Zero 1. Nada como passar uns dias em um sítio no interior, em vez de sitiado na cadeia ou escondido em um muquifo na comunidade de Rio das Pedras — com ou sem milicianos, com ou sem pandemia, com ou sem mandado de prisão.
Na Roma Antiga, hospedar um ladrão de bigas em casa não era diferente de praticar um crime de receptação, como, por exemplo, guardar na garagem o veículo que ele roubou no estacionamento do Coliseu, enquanto rolava um MMA de gladiadores.
No velho Brasil, o artigo 6° do Código Criminal do Império considerava cúmplices “os que ocultarem coisas obtidas por meios criminosos ou aqueles que derem asilo ou prestarem sua casa para reunião de assassinos ou roubadores, tendo conhecimento de que cometeram tais crimes”.
Já o artigo 348 do Código Penal em vigor pune o sujeito que auxiliar um criminoso a “subtrair-se à ação da autoridade pública”. O delito é tipificado de “Favorecimento pessoal”. Pena: um a seis meses e multa. Calma. Quando digo a um juiz que o meu cliente é inocente, sim, eu o estou favorecendo, mas não o estou subtraindo à ação de nenhuma autoridade, pois esta poderá tanto absolvê-lo como condená-lo. É com muito orgulho e nenhuma modéstia, que informo que os três clientes que tive em minha promissora carreira de criminalista foram absolvidos: Azulão (brigou com a polícia), AC (namorou um traficante internacional) e eu mesmo, em causa própria (não posso contar).
Exceto eu, ninguém se escondeu debaixo da minha festiva cama, até porque não adiantaria nada em caso de uma batida policial. Foi o que aprendi quando o Haroldo, abanando o rabo e com o focinho esparramado no carpete em minha direção, me dedurou com a competência de um Pointer diante de uma cotia.
Enfim, advogar não é malocar celulares roubados, drogas ilícitas, armas usadas em crimes ou qualquer “flagrante” para aliviar o cliente ou seus comparsas. Muito menos advogar é hospedá-los em casa ou no escritório.
Uma das maiores inteligências do País, Francisco Campos, tinha o apelido de Chico Ciência. Ele foi, em matéria de Direito, o que seu homônimo Chico Science foi para o Manguebeat.
Mas o primeiro Chico tinha, acreditem, posições mais polêmicas que o segundo. Defendeu, por exemplo, a abolição da diferença entre os autores de um crime e os cúmplices, e ainda redigiu Atos Institucionais para generais. Ao eliminar a distinção entre a mão que puxa o gatilho e aquela que a acolhe, o rigoroso Chico, hoje, não só botaria num mesmo balaio Queiroz e Zero 1, como também o nobre e falante bacharel. E todos sabem que o atual Presidente, embora não tão inteligente quanto Campos, curte uma mão pesada com uma caneta carregada de tinta.
Como tenho saudades de meus velhos tempos de criminalista e ando meio duro, apresento uma singela, porém infalível, tese de defesa para ser usada pelo ilustre colega causídico: sustentar que o Queiroz rachava com ele o tal sítio. Tecnicamente, sendo o carequinha coproprietário ou coinquilino do imóvel no qual se escondia, não há crime.
A casa é dele também, uai! Como prova, há a evidência dos antecedentes: Queiroz sempre curtiu uma rachadinha e, afinal de contas, qualquer juiz sabe que Atibaia é Atibaia. Se o caso chegar ao STF, o doutor será absolvido por aclamação. E, pela primeira vez, o ministro Celso de Mello dará um voto de uma página, e o ministro Marco Aurélio não ficará vencido.
Liguem pra mim, eu sou baratinho.
Helinho Saboya é advogado em tempo integral, chef eventual, bem humorado e gosta de gastar muito tempo com cachorros (eu disse cachorros).