Com um nó na garganta e o coração pulsando, segurei aquele teste de gravidez por uns 5 minutos, até abraçar o Francisco, meu filho mais velho, e dizer: “Você vai ganhar um irmão”. Já era tarde da noite. Só estávamos nós dois em casa e, sim, ele foi a primeira pessoa que soube da minha segunda gravidez. Guardamos esse segredo juntos por algumas semanas, até encontrarmos o Joaquim, meu marido, que estava voltando de uma longa viagem e contarmos juntos a novidade para ele.
A segunda gravidez, para mim, foi bem mais exaustiva que a primeira: chegava do trabalho e ainda tinha todos os afazeres da casa e do primeiro filho para organizar. No auge da minha exaustão (física e mental), já no sétimo mês da gravidez, chegou aquela notícia estranha: o coronavírus e, junto com ele, o isolamento social — teríamos que ficar juntos, trancados dentro de casa.
A rotina (ou tentativa de) completamente nova da quarentena, reuniões virtuais e calls intermináveis, barriga crescendo, alimentação desregulada, inchaço, dores, insônia… e assim passamos os dois últimos meses, esperando a chegada do Antônio Pedro. Ele chegou “tarde”, com quase 41 semanas, com seus 4.5kg e os olhos bem arregalados. Ele vem me ensinando diariamente que uma quarentena dentro de outra quarentena é um grande desafio.
O primeiro e maior desafio é emocional. Durante um puerpério, em que os hormônios estão bem bagunçados, tenho tentado ao máximo controlar minha emoção de ter gerado uma vida em meio a tantas mortes que estão acontecendo “lá fora”. Durante as mamadas, ligo a televisão, leio as notícias e me vem uma mistura de sentimentos que nunca havia experimentado, sempre me perguntando como e o que mais posso fazer para continuar ajudando as pessoas que tanto precisam neste momento, além de continuar protegendo a todos nós, ficando em casa.
O segundo desafio é estrutural. Mesmo repleta de gratidão pelo privilégio que eu tenho de poder me “isolar” de uma forma bem diferente, sinto falta de cuidados essenciais, como uma consulta presencial com a minha obstetra, com a pediatra do meu recém-nascido, ou de ter tido a minha mãe ao meu lado durante o parto. Também sinto falta de cuidados não essenciais, como poder fazer uma drenagem e diminuir o inchaço do meu corpo ou receber uma especialista em amamentação para ajudar a cuidar das rachaduras dos bicos dos meus seios.
E entre essas “faltas” e mistura de sentimentos, eu paro e agradeço, e rezo para que todos os aprendizados desta quarentena dentro de uma quarentena nos ajudem a ser seres humanos melhores. Para que as pessoas continuem respeitando as orientações das autoridades de saúde e que, daqui a alguns bons anos, na aula de História do Antônio Pedro, quando ele for aprender sobre a “crise do coronavírus”, possa se sensibilizar pelos milhares de famílias que perderam entes queridos durante a pandemia e sentir orgulho da nova sociedade, mais humana e mais fraterna, que nos tornamos depois dela.
Bia Bottesi Monteiro de Carvalho trabalhou na diretoria de Marketing da Coca-Cola; atualmente é líder de Marketing do Instagram. Mãe de Francisco e Antônio Pedro e mulher do Joaquim, ela é “mais um ser humano vivendo e sobrevivendo a atipicidade dos últimos três meses”.