De repente, de uma hora para outra, a Covid chegou ao Brasil, começou a quarentena. Sem planejamento, sem rodeios, fechei o escritório, pus todos os colaboradores trabalhando remoto, montei meu home office, e vida que segue. Na primeira semana, angústia, ansiedade medo: o que iria acontecer, comigo com a família, com os amigos, com o trabalho? Comecei a meditar, ler, fugir das notícias terríveis do dia a dia: mortes e política, política e mortes. Me tranquei em casa e criei meu universo particular; então, alguns fatos começaram a chamar minha atenção, desde a leitura de uma crônica “Estamos todos na mesma tempestade, mas não estamos todos no mesmo barco”, de Robert Reich.
Um sentimento de imobilidade, de privilégio, me assombrou. Nunca fui alienado ou fútil; sempre tive preocupação com o outro, ajudar no que podia, mas, de repente, comecei a achar que tudo aquilo era muito pouco. Fui pesquisar, na Internet, movimentos solidários que estivessem atuando no meio desta crise, para ajudar, além de doar uma grana e limpar minha consciência. Queria aglutinar pessoas, participar. A gota d’água foi um post que li em algum momento: “A classe média está morrendo de tédio e os pobres, de fome.”
Como o universo conspira, do nada, recebi uma ligação de uma colega arquiteta, querendo saber se eu gostaria de ajudar um grupo que estava sendo montado, local e nacionalmente, de arquitetos para arrecadação e distribuição de alimentos para pessoas carentes, o “Juntos somos mais arq” — topei na hora! Encarei o desafio como se fosse um projeto do escritório, mas muito mais gratificante! (E eu me realizo nos meus projetos.)
A ação tomou um vulto enorme de tanta gente envolvida e arrecadações. Criou uma rede solidária incrível — as pessoas responderam ao chamado. Foi uma grata surpresa. Mais ainda, equilibrou as notícias ruins, deixando um saldo positivo no final do dia. Aos poucos, meus dias começaram a ser tomados por esse movimento. Era o que mais me dava prazer. E não foi só a doação em si; foi o contato com as pessoas.
Minha tarefa no grupo era selecionar e contatar as comunidades e instituições para doação. Cada ligação rendeu histórias lindas, mas tristes também, de privação e necessidade, mas esperançosas, de pessoas comprometidas em ajudar. Fiz novos amigos que tomei como exemplo de generosidade e amor ao próximo. E posso garantir que isso mexe muito com a gente. Os valores mudam; as prioridades também. A sensação é contagiante.
Hoje, o grupo está se organizando e amadurecendo para pensar como agir no pós-pandemia; agora, a fome é a prioridade número 1, mas depois temos ainda a cidadania, que vem com saneamento básico, moradia, educação. A lista é enorme, mas não assusta, só estimula. Não me vejo mais longe disso. Já penso como trabalhar no futuro, dedicando meu tempo em parte do escritório, parte para ações sociais. Já ganhei tanto do Universo — tenho que devolver algo em troca, senão tudo perde o sentido.
André Piva é gaúcho-carioca, há 31 anos no Rio. Por aqui, formou-se em Arquitetura e abriu escritório em 1995, agora, com sede na Gávea. Participa de quase todas as edições do Casa Cor desde 2003 e tem projetos em Portugal, Israel, França, Inglaterra, EUA e Áustria.