Essas duas imagens acima, da máscara da Peste Negra e da família mascarada durante a Gripe Espanhola, embora separadas por séculos, trazem consigo um ponto em comum: ilustram atitudes erradas já que embasadas pelo desconhecimento. O médico da Idade Média achava que a Peste era transmitida pelos miasmas exalados pelos doentes. O nariz da máscara o manteria afastado deles, minimizando o risco de contágio. Já a família mascarada inclui um pobre gato, que provavelmente estaria sob estresse intenso ao envergar a proteção sobre o focinho.
Dentre as várias hipóteses pouco plausíveis que já foram formuladas durante a pandemia, uma em especial me chamou a atenção: a possibilidade de os animais de estimação, notadamente o cão e o gato, poderem ser transmissores da doença. Com o sensacionalismo de sempre, as luzes dos holofotes alternaram-se entre o gato belga, os cães de Hong Kong, os tigres do Zoológico do Bronx e outros menos cotados.
De maneira muito resumida, o fato de partículas virais serem detectadas em secreções ou na superfície corporal de um animal não o torna infectado ou infectante. Isso aconteceu com os cães de Hong Kong, com o gato belga e com os tigres do Bronx. Um caso de infecção experimental em gatos, cães e furões também é passível de críticas, já que o meio de contágio (spray nasal de concentrações muito altas do vírus) não é passível de ser encontrado na natureza.
Concluindo, até o momento, não há evidência científica forte o suficiente para indicar que cães e gatos possam infectar-se com/ou transmitir o SARS-CoV-2. Teoricamente, os animais poderiam comportar-se como superfícies carreadoras do vírus. Sabe-se, entretanto, que a pele de cão ou gato, seja do corpo, seja das patas, com pelos e toda a flora micro-orgânica que a habita, não é o local mais adequado para a adesão de um biofilme abrigando o vírus de forma duradoura. De qualquer forma, até onde pude pesquisar, essa modalidade de contágio não foi reproduzida e confirmada experimentalmente, permanecendo apenas como uma possibilidade teórica.
Para melhorar a situação dos nossos amigos peludos, recentemente foi formulada a hipótese de que tutores de cães e gatos podem ser mais tolerantes ou mais resistentes à infecção pelo Covid-19, já que ambas as espécies têm seu próprio coronavírus. O contato dos tutores com eles geraria uma resposta imune que os tornaria mais protegidos, explicada pelo fenômeno da imunidade cruzada. Claro que o fato requer mais investigação, porém não deixa de ser um contraponto à onda pessimista sobre nossos pets.
O que fazer, então, para tornar o nosso convívio com eles mais seguro? Como já vimos, a possibilidade de cães ou gatos se portarem como carreadores do vírus é apenas teórica. Se lavar as patas do seu animal é importante para você, use apenas água e sabão neutro. Seque bem. Álcool ou outros antissépticos podem irritar, tornando-o suscetível a problemas mais sérios que aqueles que você está procurando evitar. Outra possibilidade seria calçar os animais, lavando os sapatos ao voltar. Lembre-se de que ficar em casa de maneira ininterrupta é tão ruim para você quanto para o seu cachorro. Avalie sua relação custo-benefício e, se achar conveniente passear, siga as regras de distanciamento social exaustivamente divulgadas.
Juntos, você e seu animal atravessarão incólumes estes tempos estranhos. Talvez, lá na frente, descubramos até que ele o ajudou mais do que você, a ele.
Fernando Augusto Ferreira Vieira é mestre em Cirurgia Veterinária e sempre foi apaixonado por bichos. Faz atendimento clínico e cirúrgico de pequenos animais no bairro do Jardim Botânico. Contato pelo WhatsApp (21) 99272-8728.