Sei muitíssimo bem que vivemos uma tragédia de saúde pública que tem tudo para piorar de uma forma jamais vista nos últimos 100 anos. Eu observo que, para essa tragédia da vez alcançar um patamar, repito, jamais visto nesse lugar, contamos com todos os ingredientes para a tempestade perfeita, isto é, políticos que estão mais interessados nas eleições de 2022, doença sagaz, furtiva, arrasadora e ainda desconhecida, imensas comunidades, paupérrimas, sem saneamento tampouco com abastecimento de água permanente, bem como uma sociedade desmobilizada e culturalmente pouco afeita a cumprir regras básicas. Destaco que isso vale do chefe da nação ao cachorro aqui da esquina.
Portanto, o negócio é nos prepararmos para o tranco, que será inenarrável, segundo o que esperam os especialistas mais otimistas. Tenho certeza, porém, de que, em algum momento nos próximos longos 12 meses (pode ser antes, pode ser depois), encontrarão a tal vacina.
Até lá, é agarrar a saúde e tentar protegê-la; o resto é especulação e besteira. No entanto, sou obrigado a lembrar, já com um gosto amargo, que se perpetua desde 1999, sem que nada até fevereiro passado tivesse mudado, sobre a questão da contaminação monstruosa do ponto de captação da estação de tratamento de água do Guandu que abastece cerca de seis milhões de almas da Região Metropolitana do Rio.
Como todos devem ou deveriam lembrar, três valões de esgoto constituídos pelos rios Poços, Ipiranga e Queimados lançam suas águas fétidas junto ao ponto de captação da estação do Guandu, drenando todo o esgoto não tratado dos municípios de Seropédica, Nova Iguaçu, Japeri e Queimados.
Ou seja, em pleno século XXI, na segunda metrópole brasileira, num lugar onde, segundo as autoridades, brasileiro mergulha no esgoto e não pega nada, alcançamos um upgrade de resistência, pois, além de nos banharmos em merda, também bebemos água proveniente do tratamento de esgoto! Tudo a ver.
É sempre bom lembrar que a heroica estação do Guandu é uma estação de tratamento de água, e não de esgoto, portanto imagina-se que ela deva estar fazendo verdadeiros milagres químicos com seus sucateados equipamentos defasados, como informado por técnicos da empresa à época, para transformar “cocoshake” em água potável ou coisa parecida.
“E daí?!” — frase sempre em moda no vocabulário político nacional de quem não depende de água fornecida pela estatal. “E daí” que a água servida em parte da Região Metropolitana, de janeiro a fevereiro de 2020, estava intragável e com cheiro para lá de abominável, apesar do lucro e tranquilidade da estatal responsável pela venda do referido produto.
Depois de muitas idas e vindas, suspeitas de sabotagens, intrigas, diarreias, enjoos, falta de água mineral e conspirações de todos os tipos, foi trocado o presidente da estatal.
Com o atual presidente, “prata da casa”, estive em audiência no final de fevereiro de 2020, no auditório da empresa, quando, além de explicar minha histórica e feroz crítica aos produtos de baixíssima qualidade entregues pela rica estatal, ouvi dele, em alto e bom som, que as obras que agiriam no sentido de “blindar” o ponto de captação do despejo de esgoto seriam iniciadas em três meses. Destacou o presidente que os recursos para a obra, prometida desde 2007, já estariam disponíveis.
Chamo a atenção que havia inúmeras testemunhas. De lá para cá, fomos atropelados pela pandemia que, um dia, com certeza, vai passar. Disso não tenho dúvida!
Enquanto continuo comprando litros e mais litros de água mineral para saciar minha sede, sem medo das possíveis consequências a médio e longo prazo, tenho muitas dúvidas sobre em que pé estão tanto as obras prometidas como a modernização dos equipamentos da estação do Guandu, sem falar na criação de uma área de proteção em todo o entorno do ponto de captação.
Espero que a atual pandemia não sirva de motivo para empurrar com a barriga as obras prometidas e demais medidas, reiniciando a gestação de mais uma nova tragédia anunciada que, desde 1999, venho alertando publicamente sem resultado prático algum.
Por enquanto, dessa água não beberei.
Observação: Em recente pesquisa da Fiocruz no esgoto de Niterói, foi identificado o tal novo vírus. E daí?! Daí, nada! Enquanto não for atribuído ao tal vírus encontrado no esgoto capacidade de contaminar quem entra em contato com ele, tudo ótimo! Agora, se, num futuro, for aventada ou ainda mais, for confirmada a possibilidade de contaminação, aí, sim, teremos um baita problemão!
A resposta de Sergio Marques, gerente de controle de qualidade da água da Cedae: “Desde o dia 4 de fevereiro, a intensidade do gosto e do odor da água produzida pela ETA Guandu está dentro do padrão organoléptico exigido pelo Ministério da Saúde (Intensidade menor que 6). A média de intensidade atual para estes parâmetros é da ordem de 2, ou seja, três vezes menor do que a permitida. A concentrações de cianobactérias no manancial também foi significativamente reduzida, consequentemente a concentração de geosmina, substância produzida pelas cianobactérias e responsável pelo Gosto e Odor na água, também foi reduzida a valores insignificantes. A adição de argila Ionicamente modificada no manancial para controle de cianobactérias e de carvão ativado no tratamento para remoção de geosmina, Gosto e odor está sendo muito eficaz. Estamos monitorando intensamente estes parâmetros para garantir a ausência de gosto e odor na água”.