A constatação é que tudo está decompondo-se lá do alto — terra e água arrasadas numa guerra fratricida sem tréguas! Sem dúvida, transformamo-nos numa verdadeira metástase no tecido urbano e ambiental da Região Metropolitana do Rio.
Por mais que se faça e se denuncie, há mais de duas décadas, pelo projeto “Olho Verde”, parece que entramos no “modo foda-se”, e que venham as centenas de mortes diárias, milhares de metros cúbicos de esgoto e resíduos por onde quer que seja, pois, por aqui, “não pega nada” para ninguém quando o tema é ambiente. Aqui é o terreno fértil para a degradação sem limites e consequências para delinquentes públicos e privados, principalmente para os muito bem-relacionados.
Acompanhar as notícias, nos diversos meios de imprensa, é tarefa para quem tem nervos de aço: o que se vê claramente é uma batalha de facções e castas pela supremacia do poder, em que a tal democracia é desmembrada de parte a parte, e o tema ambiental, como já dito, é assunto de menor relevância. Tudo muito tumultuado, rumando para o caótico, talvez um caótico meticulosamente preparado, muito além do que normalmente já vivenciamos.
Portanto, diante de um cenário desses de deterioração institucional, econômica e política acelerada, no qual, por toda parte, há claras sinalizações e vocalizações de quem deveria cuidar, proteger e gerir os recursos naturais, que a hora da pandemia é essa, para “passar a boiada”, imaginem o que não se encontra lá do alto em 150 minutos de voo!?
Pois bem, separados por poucos dias, de 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, pouco ou nada se tem para comemorar e muito a lamentar por aqui. Como em anos anteriores, o quadro é de devastação sistêmica galopante em municípios pobres ou ricos, visto que a ordem cultural é usar até acabar — a famosa cultura nacional do pau-brasil.
Crescimento urbano desordenado por todo canto, onde manda quem pode, e o poder público fica na sua, visto que interesses eleitorais, econômicos e políticos falam sempre muitíssimo mais alto, principalmente em anos eleitorais.
Esgoto é matéria-prima generalizada encontrada por todo canto, de forma abundante. Saneamento, só mesmo na fala dos políticos, pois rios já fazem parte do sistema de coleta de esgoto, cabendo às baías e lagoas o papel de receptores finais dos excrementos de milhões de habitantes, produzidos por ricos e pobres, visto que, ao menos, a degradação é democrática nesse lugar.
Obras viárias mal concebidas — executadas, geralmente, na euforia dos megaeventos, uma verdadeira obsessão da classe política nacional — afogam importantes remanescentes residuais da comunidade vegetal nativa em áreas urbanas, sem que ações concretas sejam tomadas a tempo para neutralizar a perda em andamento.
Sistema lagunares agonizam sob a ação de milhões de metros cúbicos de tudo que se possa imaginar que seja possível lançar aos rios por parcelas da população das cidades da região. Metano e gás sulfídrico borbulham do fundo pútrido, tomando conta de condomínios e favelas, mas parece que esse efeito colateral de décadas de descasos (político e social) já é bem absorvido pela sociedade, que paga, não leva, e fica por isso mesmo…
Biodiversidade, só mesmo dos mais fortes, para conviver com a presença da cultura local, em que nada, absolutamente nada, demove da zona de conforto a turma que inalava quase que indiferente o aroma e a decomposição dos peixes mortos que ainda se aventuram nessas águas pútridas.
Verdadeiro estudo de caso do comportamento social apático, a resiliência patológica da sociedade local, isto é, a arte de aceitar o inaceitável, é o manjar onde a degradação deita e rola.
Exemplo disso é a situação do ponto de captação da estação de tratamento de água do Guandu. Destaco que estamos falando de uma estação de tratamento de água, e não de esgoto!
Pois bem, desde 1999, tenho denunciado o absurdo dos absurdos, que é a contaminação por esgoto e cia. desse ponto de captação que abastece seis milhões de habitantes da Região Metropolitana do Rio de Janeiro por meio dos rios Ipiranga, Queimados e Poços.
Nunca deram em nada as denúncias, até que, em janeiro de 2020, a turma que paga por esse produto estratégico notou que o sabor, a coloração e o cheiro do líquido vendido como água potável estavam profundamente comprometidos.
Várias semanas de silêncio, teorias conspiratórias, hipotéticas sabotagens. Na realidade, o quadro era simplesmente o produto de décadas de descaso e omissão sistêmica, visto que cada um fica no seu cercadinho, sem incomodar os demais, até o dia em que “dá merda”, e aí o lema nacional é tocado por toda parte, isto é, “se deu merda, não é comigo!”.
Em resumo, trata-se de uma heroica estação de tratamento de água que precisa funcionar como estação de tratamento de esgoto, onde os equipamentos carecem de emergencial manutenção e modernização, sendo que as desculpas e promessas são as de sempre.
Falando em promessas, trocaram o presidente da estatal que dá lucro, e este prometeu, em fevereiro passado, que as obras prometidas desde 2007 tinham verba e que sairiam do papel em junho deste ano. Como de praxe, o filme mudou no caminho, e a estatal saiu do protagonismo, junto dos recursos da obra. Entra então o órgão ambiental do estado com recursos do fundo de conservação ambiental. Portanto, só para variar, a estatal sai ganhando enquanto, em alguns bairros, já se reclama novamente da qualidade da água. Mas isso é secundário!
A promessa da vez é que a obra, que sairá mais barata, vai demorar mais nove meses, portanto, no próximo verão, teremos potencialmente mais emoções. Há de destacar que, mesmo quando há dinheiro, muito dinheiro, as obras não alcançam seu objetivo, devidamente vendido para os contribuintes otários e omissos.
Por exemplo, a Marina da Glória continua funcionando como “cloaca da Glória”, uma vez que a obra, que custou 14 milhões de reais e que deveria neutralizar os lançamentos de esgoto históricos na área turística, não funciona. O único legado olímpico na Baía de Guanabara é mais um fiasco ao custo de diversos milhões de reais. Vai ficar por assim mesmo!
Finalmente, chegando pela Linha Vermelha, entrada internacional da “Cidade Maravilhosa”, impõe-se a megalomaníaca estação de tratamento de esgoto da Alegria, que, simplesmente, tem metade de seus equipamentos natimortos ou entrando em decomposição, enquanto toda a bacia hidrográfica local é esgoto puro ao custo de dezenas de milhões de dólares. Vai ficar por assim mesmo!
Alguém se incomoda com isso ou com os demais problemas listados? Nada disso — continuam cantarolando que o “Rio é lindoooooooo!”, como um bando de bêbados acéfalos, sem se dar conta do abismo que criamos e cultuamos.
São 33 anos investidos na área ambiental, com algumas dignas e relevantes vitórias, como para os manguezais das baías de Ilha Grande, Guanabara e lagoas metropolitanas. No entanto, as derrotas são sistêmicas na zona costeira, na zona de confronto direto entre a barbárie cultural humana local e as linhas de últimas resistências contra a ação de delinquentes ambientais de todos os quilates, procedências e capacidades de retaliação, que são variadas.
A atual hipotética resposta pandêmica da Natureza em relação à ação humana é clara: ou tomamos jeito, aprendemos que para tudo no universo há limite, à exceção da burrice e da sociopatia, tão bem difundidas por aqui, ou sofreremos as consequências de nossa insensatez.
Não sou otimista. Talvez tenhamos o “modo foda-se” como forma de pensar o mundo que nos originou, abrigou e que pode exterminar-nos.