Depois do coronavírus, as semanas aqui, em Londres, passaram a ter três dias: ontem, hoje e amanhã. O melhor é aproveitar esses três dias o máximo possível, mas respeitando as regras do jogo, que são claras, “Arnaldo”: ficar em casa a maior parte do tempo; só sair para fazer compras essenciais ou caminhar nos parques, ou na beira do rio Tamisa.
Essas caminhadas fazem bem pra saúde física e mental; além de permitidas, são recomendadas. Para as caminhadas, é claro que também existem regras: no máximo, duas pessoas juntas, com uma distância mínima de 2 metros entre elas. Nos últimos 30 dias, caminhei mais de 180 km (uma média de 7 km por dia); segundo o o que dizia Keneth Cooper, o coração de um homem está nas pernas, ou seja, seus amplos e incontestáveis méritos.
Normalmente, saio de Belgravia, onde moro, em direção a um dos parques, ou à beira do Tamisa, entre a Vauchall Bridge e a Tate Modern, e volto por diferentes lugares do centrão da cidade, como o Covent Garden, a Leiscester Square e o Picadilly Circus, espaços que eu jamais na minha vida imaginei ver totalmente vazios, como tenho visto. Alguns hábitos alimentares também foram mudados neste período: tenho feito só duas refeições por dia; o café da manhã baseia-se em em sucos, frutas e ovos.
Londres é a capital mundial dos sucos de frutas, das frutas frescas e dos ovos caipiras, com as gemas mais vermelhas do Planeta. Temos sucos do Allain Milliat de Lion, maracujás da ilha da Madeira e ovos de São José do Rio Pardo. Também temos feito, obviamente em casa, uma espécie de almoços-jantares, lá pelas 5 ou 6 da tarde, alguns preparados por nós mesmos; outros, via delivery, mas todos acompanhados por vinhos esplêndidos. Também lido e relido bastante: YouTubers, do Chriz Stokel — Walker, sobre como o YouTube, criou uma nova geração de estrelas televisivas, assim como Machado de Assis, Rubem Braga e Rubem Fonseca.
Tenho assistido a filmes, como o último Woody Allen, chamado ”Um dia de chuva em New York”, visto séries, como “The Crown”, e me emocionado com documentários como “Quincy”, sobre a vida do Quincy Jones e “Birth of The Cool”, sobre o Miles Davis. E tenho descoberto algumas surpreendentes novidades.
Nessa quarentena, eu, que sou filho de um vendedor de pincéis, descobri que as lojas de materiais de construção, assim como as farmácias e os supermercados, continuam abertas — porque muita gente aproveita este momento de reclusão pra dar uma pintada ou arrumada na sua casa, ou pequeno negócio. Aprendi também mais uma coisa que mostra o quanto a criatividade é infindável.
Temos aqui, em Londres, uma loja de vinhos chamada Hedonism, considerada a melhor de vinhos do mundo. Os donos da Hedonism têm também um restaurante chamado Hide, que serve comida autoral, harmonizada com os vinhos da loja. Agora, na quarentena, o Hide pôs em prática o serviço de entrega de jantares e degustação com os vinhos adequados na sua casa. Manda junto um manual de instruções para algum membro da família fazer o papel de maître e sommelier durante o jantar. Vivendo e aprendendo.
P.S.: no meio de todas essas coisas, tive o privilégio de ver Lulu Santos falando de mim na sua live do sábado (02/05). Melhor do que isso, só jantar com esse querido amigo no Satyricon, em Ipanema, quando essa encrenca terminar.
Washington Olivetto é publicitário, daqueles que praticamente dormem em cima de prêmios.
Foto: Miro/Divulgação