Trabalho em uma área essencial, em que o preconceito em relação à atividade ainda é muito grande no Brasil. Há 40 anos, quando decidi seguir esse caminho profissional, fui influenciada pela paixão de meu pai, Nacle, fundador de nosso grupo empresarial, cujo sonho era tornar o momento de adeus mais humano e digno, oferecendo às famílias cuidados, conforto e beleza em suas últimas homenagens, através do modelo de cemitério-parque, até então inexistente no País.
Hoje, o Jardim da Saudade oferece a maior área verde da América Latina. Ao longo de todos esses anos, tive a oportunidade de presenciar o quanto os rituais de despedida são importantes em todas as culturas e como cada pequeno detalhe faz muita diferença no momento de extremo sofrimento para as famílias que perdem seus queridos. Esses rituais permitem que a ideia do adeus seja assimilada e que tenhamos a oportunidade de prestar nossa última homenagem, demonstrando, através dela, de alguma forma, as tantas coisas que gostaríamos de ter dito ou demonstrado mais, em vida.
Dividir esse momento com aqueles que amamos é essencial. A meu ver, infelizmente, a pandemia transformou a forma de vivenciarmos o luto, tornando todo esse processo ainda mais doloroso. Por ser uma doença sem histórico de contaminação e para evitar aglomerações, as organizações de saúde recomendam que os velórios sejam curtos e com, no máximo, seis pessoas. Nos casos de Covid, a situação é ainda mais dramática, pois os sepultamentos precisam ser diretos, sem utilização das capelas, o que causa sofrimento ainda maior às famílias, que não podem despedir-se como gostariam. Para atenuar essa situação de extrema dor, agravada pelas consequências da pandemia, criamos novas formas de despedidas, como velórios ao ar livre, missas e cultos on-line e equipamento de transmissão de imagem nas capelas, onde amigos podem participar, enviando vídeos, depoimentos e mensagens.
No entanto, sabemos que nada, nada mesmo, substitui a presença física fundamental nessa ocasião em que nos encontramos tão solitários e frágeis. Esta pandemia, de fato, antecipou uma tendência mundial ao avanço digital em todas as áreas, avanço esse que era inevitável. Contudo acredito que, mesmo após todos os avanços nesse sentido, os rituais pela Internet não substituirão os presenciais — é a presença, a disponibilidade e o abraço que, muitas vezes, substituem as palavras e aquecem o coração.
Neste momento difícil, encontramos também uma forma de ajudar a população de baixa renda, disponibilizando nosso novo crematório de ponta, que será inaugurado na próxima semana, em Sulacap, para atendimento social, em sua totalidade, durante o período de pandemia, como forma de colaborarmos, nesta hora difícil, com os que mais precisam. Mas o que mais me emociona e chama atenção agora são nossos funcionários operacionais, aqueles que estão no front de atendimentos.
Embora protegidos por todos os EPIs necessários, conhecem os riscos da doença e enfrentam diariamente seus medos, deixando as famílias em casa, para colaborar e trabalhar incansavelmente, oferecendo dignidade e solidariedade na hora da despedida de inúmeras outras famílias.
É, neste momento, que olhamos para o lado e percebemos o que é ser “humano”. Acredito que, quando pudermos estar juntos novamente, os laços entre as pessoas serão mais fortalecidos – nada substituirá o abraço, o carinho, o sorriso. Todas as coisas simples e maravilhosas da nossa vida, sobre as quais há muito não dedicávamos tempo, serão ressignificadas e ganharão um novo olhar. O mundo não será mais o mesmo — nosso olhar para o outro será diferente.
Foto: Rogerio Ehrlich
Fabienne Bezerra é economista e presidente do Grupo Jardim da Saudade desde 2005. Começou a trabalhar na empresa, ainda na década de 80.