Amor e sexo é com a psicanalista Regina Navarro Lins, ou seja, qualquer tipo de relacionamento. Autora de 12 livros sobre o tema, entre eles o best seller “A Cama na Varanda”, com mais de 50 mil cópias vendidas, é comum os seguidores ficarem chocados com algumas afirmações ou questionamentos feitos por ela, como “não posso transar com outro homem só porque estou casada?”
Casada há 20 anos com o escritor Flávio Braga, num relacionamento aberto (não em tempos de coronavírus, claro), afirma que “o cavalheirismo é uma forma de oprimir a mulher, disfarçada de gentileza”, só pra mostrar a nuance feminista. Regina tem um pensamento tão atual que até as mulheres modernas podem sentir-se quase antiquadas. Ela conversou com a coluna sobre sexo, casamento e masturbação em tempos de isolamento social.
A quarentena tanto pode acabar quando fortalecer um casamento? A sobrevivência do relacionamento, num caso desses, significa o quê?
A quarentena é uma situação bem diferente do habitual, um desafio para os casais, com pessoas que conviviam muito menos e se encontravam só à noite. Tinha gente até que trabalhava nos fins de semana e agora tem que conviver 24 horas por dia, sete dias por semana. Claro que isso é complicado, e não temos ainda como avaliar as consequências desse isolamento. Agora, poder fortalecer, pode, mas acredito que isso não predomine, porque elas estão juntas e acabam vendo, com mais frequência, os aspectos da personalidade do outro que lhe desagradam. No fim da quarentena, podemos fazer um estudo. Na China, o número de divórcios aumentou, mas, por aqui, ainda não sabemos. É importante que as pessoas reflitam e tentem encontrar um meio de viver da melhor forma possível o período de isolamento.
Faz sentido dizer (o que é comentado diariamente) que, entre nós, também o número de divórcios pode crescer?
Sentido faz porque temos um problema dentro do modelo de casamento na nossa cultura. Quando se casam, as pessoas têm um total desrespeito à individualidade do outro. Isso é aceito com muita naturalidade; um se mete na vida do outro, o que tem que dizer pro cunhado, pro patrão, se demora muito tempo no telefone… Reclama-se de tudo. Fundamental é que as pessoas passem a respeitar não só a própria individualidade como também a do outro porque, senão, fica uma situação impossível de lidar, e as pessoas acabam indo embora. Tenho uma paciente que poderia trabalhar em casa, mas fez questão de sair porque não suportava ficar com o marido, o tempo todo, perguntando o que ela estava fazendo. Quando os dois trabalham fora, é diferente — almoçam com amigos, conversam com outras pessoas, mas, quando se fica confinado, isso complica, principalmente quanto à dependência emocional, que é uma coisa muito comum. Em primeiro lugar, sugiro respeitar a individualidade; em segundo, que você se controle porque o confinamento gera muita irritação, raiva, sufocamento. É importante que as pessoas não descarreguem, não depositem no outro suas frustrações, irritações, comuns nas relações amorosas. E tem os filhos, que são outro problema porque os pais dispensaram as funcionárias. Sugiro que eles dividam as tarefas de casa, evitando a cobrança, o que pode gerar uma situação de animosidade entre o casal.
Sexo ajuda muito nestes dias penosos? E para os solteiros, a masturbação pode significar o quê?
A masturbação na infância é importante, já que equivale à autoexploração do corpo, mas não é aceita com naturalidade. O peso de tantos anos da masturbação ficou associado ao pecado, doença. Muitos pais que se acham livres de preconceito incomodam-se em ver os filhos manipulando seus órgãos sexuais. No entanto, é uma prática fundamental para satisfação sexual na vida adulta porque permite o autoconhecimento do corpo, do prazer. A masturbação significa a busca de prazer, não só dos solteiros como também dos casados, o que gera conflito quando um dos dois descobre que o outro se masturbou. Temos que refletir sobre as crenças aprendidas, para conseguirmos nos livrar do moralismo e dos preconceitos.
Para evitar a propagação do coronavírus, a Prefeitura de NY recomendou que as pessoas se masturbem, mas isso foi retirado do site oficial da cidade. Ou seja, o que mata mais: o vírus ou a ignorância?
A masturbação e a homossexualidade foram eleitas, no século XVIII, como maior alvo de ataques da sociedade e da medicina. A masturbação faz parte da sexualidade — meninos e meninas começam a prática na infância e vão até se tornarem idosos. Independentemente da idade, a masturbação proporciona prazer. Geralmente é associada a adolescentes, mas isso é mais uma tentativa de controlar a liberdade, e muitos adultos se sentem inadequados por conta dessa ideia distorcida. Preocupante e anormal é quando a masturbação traz sentimento de culpa, o que acaba comprometendo seriamente a vida sexual. Estamos no meio de um processo de profunda mudança das mentalidades. Há uns dois, três anos, uma província da Espanha criou o curso “O prazer está em suas mãos” para alunos entre 14 e 17 anos aprenderem a masturbação, no intuito de derrubar mitos negativos. A masturbação é uma experiência libertadora e satisfatória.
A convivência intensa pode atrapalhar o tesão?
Geralmente, o tesão já é bem atrapalhado no casamento, numa relação estável, duradoura. Eu diria que, no casamento, é onde menos se faz sexo. O número de pessoas que se queixam e me mandam perguntas sobre a falta de tesão ou um deles não quer transar, é uma coisa impressionante; então, sente-se que algo aí está inadequado. Acho difícil o confinamento facilitar a volta do tesão, a não ser em recém-casados, até porque as pessoas estão com medo, estressadas, preocupadas em pagar as contas, em perder o emprego, em ser contaminadas. Em alguns casos, pode facilitar, sim, mas, na imensa maioria, não.
Ao perder o clima, o desejo, como recuperar, digamos assim?
Nunca vi. Depois que se perde o tesão, a tendência é as pessoas se transformarem em irmãos. Nunca vi o tesão voltar; então, essa história de ser criativo é mentira. O tesão é o que leva à criatividade, e não o contrário. Se não tem tesão, você quer mais é ficar em paz e dormir. O responsável pela falta de tesão é o modelo do casamento na nossa cultura, que prega possessividade, controle, ciúme. Cadê a sedução, a conquista? É necessário um mínimo de insegurança para que o tesão continue numa relação de longo prazo. O mais comum, o que mais ouvi na minha vida como psicanalista em 46 anos de consultório foi a seguinte frase: “Amo meu marido, não quero me separar dele. É meu melhor amigo, melhor pai, companheiro, só não quero mais fazer sexo com ele”. Acredito que isso possa mudar, mas o casamento tem que ser bom, com liberdade de ir e vir. Cada um deve respeitar o jeito do outro de ser, pensar, de comportar-se, ter amigos em separado, programas independentes, e o principal: que não haja controle algum da vida do outro. Tem que mudar o modelo de casamento, senão isso vai continuar acontecendo, e os casamentos vão virar uma grande fonte de frustração.
Como psicanalista, o que você recomenda para suavizar o tédio?
Recomendo que as pessoas procurem coisas que lhe deem prazer, algum projeto, uma horta na área de serviço, qualquer coisa. Tem tantas possibilidades sendo oferecidas pela Internet, cursos, até aulas de meditação, enfim, teatro, música, dança, livros. Para quem está trabalhando em casa, reserve um tempo só seu. O problema é que tem muita gente que não tenta encontrar prazer em coisas que não conhece; então isso pode ser uma grande oportunidade para você descobrir, porque existem vários aspectos da nossa personalidade que não nos damos conta. Portanto, procure coisas novas, converse com amigos em chats, deixe a criatividade livre para ter uma vida mais satisfatória num período de crise.