A ética é a função psíquica que, como psicanalista, chamo, metaforicamente, de “anjo da guarda”, uma proteção invisível contra os perigos da crua realidade das emoções de ódio, inveja, voracidade, ambição, crueldade etc. A lista é grande, como são os males que saíram da caixa de Pandora.
A ética não pode ser ensinada, mas pode ser aprendida. Assim, aproxima-se da arte espontânea; não, porém, da arte que está a serviço de alguma hipocrisia ideológica ou comercial. Nesse aprendizado, cada um terá que escolher, por si mesmo, seus valores e ideais, praticar a autoética, muitas vezes enfrentando o senso comum com boa vontade.
O processo é bastante complexo, pois as escolhas têm raízes inconscientes, sofrendo a influência de situações e conflitos infantis, que podem ser entendidos pelas ideias descritas por Freud e seguidores como “complexo de Édipo”. Em resumo, a mente infantil é dominada por paixões egoístas, decretando maldades terríveis diante de situações sobre as quais não tem experiência.
Diante da pandemia do Covid-19, incontáveis pessoas logo revelaram sua face imatura, ingênua, tomada de ódio e perseguida por figuras abusivas do seu imaginário, tal como formulou recentemente uma atriz ao dizer que torce pelos efeitos devastadores do vírus para que a humanidade se emende e adote a prática política que ela considera correta. Ética: zero. Ela alucina a cura do vírus pela política partidária, assim como para outra atriz, que, trabalhando para o governo, assume o risco cego de estimular que se quebre a quarentena sem critério.
Entretanto, se me perguntarem se existe algum lugar de prática para a ética espontânea, eu nomearia como sendo a “regra de ouro”: “Não faças ao teu próximo o que não gostarias que fizessem a ti”. A quebra dessa regra vemos diariamente, como nos exemplos acima dessas atrizes, mas, por outro lado, vemos a manutenção dela, a todo o custo, por parte dos profissionais da Saúde. Eles estão ali na frente de batalha, tentando salvar vidas e ajudar qualquer pessoa, independentemente de nacionalidade, cor, religião e preferência política. Para eles, só existe um partido, o humano.
Freud falou sobre a Psicologia Grupal, ressaltando que um incontável número de pessoas vive sob a influência das grandes religiões universalistas. Ele considerou que as religiões são forças civilizatórias que poderiam opor-se à barbárie. No entanto, sabemos que, em última instância, fracassaram nessa função; a Inquisição e o Estado Islâmico são prova disso. Mesmo assim, as religiões ainda têm muita influência, porém disputam terreno com o fanatismo político, o sectarismo, a mistificação e o uso das ciências para divulgarem a mentira.
A mensagem das religiões tentou aproximar-se da “regra de ouro” e foi laicizada e endossada por movimentos políticos, como a Revolução Americana, a Revolução Francesa e o Socialismo. Contudo, é muito fácil constatar como a igualdade, a fraternidade e a liberdade são constantemente anuladas e desprezadas pelas práticas cometidas em nome das doutrinas políticas. Guerra civil, colonialismo, ditaduras sangrentas, demagogia barata, politicagem, jornalismo ideológico e corrupção são o resultado do desprezo pela ética.
Na China 1,4 bilhão de pessoas vivem sob a influência de um regime totalitário estúpido que pratica o trabalho escravo e que, a princípio, tentou esconder os efeitos devastadores que o Covid-19 poderia causar. O médico que o denunciou morreu “asfixiado” no hospital onde se encontrava internado, acusado pela polícia de fazer comentários falsos e espalhar boatos. Na China, simplesmente, não existe a “regra de ouro”. Ali, a mensagem fraternalista da OMS, obviamente, falhou com o vírus chinês! Não há por que ser hipócrita e dizer que não é. É o quarto que surge das práticas alimentares chinesas, advertidas pela OMS como nefastas para a Saúde.
Por onde recomeçar agora? Sugiro, temerosamente, que afastando a má vontade de conhecer a nós mesmos, insistindo em denunciar a maldade implícita nos que se consideram “donos da verdade” e que falam “em nome de Deus” ou “em nome das verdades partidárias”. Ambos querem tirar proveito da situação para se manter ou para voltar ao poder. Esses indivíduos não pensam — no máximo, raciocinam cartesianamente.
Finalmente, lembro que, agarrado à caixa de Pandora, ficou a Esperança, representada pela figura de uma mulher com duas asas. Uma das asas se chama indignação e a outra, coragem para mudar. Sem as duas atuantes, a Esperança só fica agarrada, não consegue voar. Ou seja, não adianta apenas se indignar; é preciso fazer algo realmente humano para mudar a sociedade egoísta, infantil e irresponsável em que vivemos.