Dor e adversidade são elementos constantemente presentes na vida humana. No mínimo, é tão fácil ser cruel, negando-as como componentes da vida, quanto é fácil ser cruel, negando ajuda para esses elementos. O famoso escritor russo Feodor Dostoievsky dizia que “compara-se muitas vezes a crueldade do homem à das feras, mas isso é injuriar estas últimas”.
Vivemos, hoje em dia, com a epidemia do Covid-19, uma situação em que não há escassez de dor e adversidade, mas será que o mesmo pode ser dito sobre ajuda e solidariedade? A mais provável resposta é o não; consequentemente, a crueldade parece imperar em muitos setores. Assim, ninguém vai encontrar crueldade nos profissionais de saúde que trabalham dia e noite, apesar de, no passado, terem sido tão negligenciados pelos governos. Quanto ao meio político, não podemos dizer o mesmo.
Temos um complexo sistema social e político alegadamente democrático e presidencialista, o que não quer dizer que seja totalmente respeitado, haja vista o incontável número de pessoas que, em qualquer época, debatem-se — na maioria das vezes, sem conhecimento de causa e até sem condições intelectuais — em mesquinhas querelas políticas, visando apenas criar mentiras que sustentem seus privilégios e vantagens. Isso não é prezar a democracia; é utilizá-la para fins particulares.
As insanidades e discursos de ódio, pronunciados por aqueles que imaginam ser seu ponto de vista político o melhor para todos, parecem não ter fim. São manifestações de crueldade que não falta no ser humano e que parece ser mais visível em nossos funcionários burocráticos, políticos, governantes, juízes, ou na assim chamada elite.
A chatice cruel das pessoas que discursam incessantemente como vítimas derrotadas ou como vencedores fanfarrões, para atacar qualquer solução que possa vir no interesse da população, parece ser inesgotável. As críticas depreciativas são abundantes, mas quem as faz nunca aponta soluções. Será que as guardam para si para pôr em prática quando tiverem oportunidade? Certamente que não.
A experiência mostra que tiveram muita oportunidade e nunca deram solução alguma para os problemas mais complicados, como corrupção, jogo político perverso, educação e saúde, segurança e bem-estar. Trata-se apenas de discursos que são exercícios gratuitos de crueldade. Por exemplo, ao grupo governante, qualquer que seja ele, nunca faltam crueldade e insanidade ao propor soluções simplistas que ignoram o óbvio.
Por outro lado, a crueldade também se manifesta pelas perturbações do cotidiano, noticiado pela imprensa através da ideia de calamidade em grande escala. A calamidade existe, ela é imensa, e já causa muita dor e apreensão; não precisa de ampliação sensacionalista. Precisamos de fatos com fontes fidedignas, e não de jornalismo ressentido nem de comentários ideológicos disfarçados de notícia. Isso é apenas um pequeno exemplo do universo de pessoas cuja crueldade também está presente na torcida pela desgraça e pela derrocada da nação, porque aí enxergam as oportunidades crescentes para sua incompetência e a de seus asseclas.
Em outras épocas, tais fatos contribuíram para que se chegasse à conclusão de que a solução melhor era a guerra, com todas as suas vicissitudes e perdas. No entanto, agora, o inimigo é invisível, o que não exclui o fato de existirem pessoas procurando inimigos visíveis o dia todo. Porém uma coisa é certa: se um homem não pode ser um amigo para seus amigos, ele não pode ser um inimigo para seus inimigos. A incompetência revela-se de qualquer jeito. O dano causado é sempre imenso, e, se a segunda instância protelatória não decide nunca, certamente a história irá julgar. Aí, porém, será tarde demais.
Foto: Antonio Giacomin / Divulgação