Parece que entramos todos em uma contagem regressiva para deixar a quarentena, e eu, como um otimista irremediável, acho que, de fato, devemos rapidamente voltar à nossa vida social. Com dores, amores, sequelas, aprendizados e, como de costume, com uma memória seletiva que vai nos fazer achar que não foi tão difícil assim, como naqueles relacionamentos amorosos que deixamos pra trás e, um ano depois, já não achamos tão ruim.
Teremos novos falidos (talvez eu seja um deles), teremos novos olhares, novos protagonistas, novas formas de trabalho, novas teorias, novas celebrações em família e novas famílias que terão sido marcadas pela perda de alguém querido para a tal nova doença. Tudo isso mudará o mundo da maioria de vocês que estão lendo este artigo. Sairemos mais fortes, como dizem uns; sairemos mais unidos, como dizem outros.
Entretanto, teremos velhos problemas que provavelmente não serão resolvidos, teremos velhas quarentenas que completarão anos e, quem sabe, décadas sem horizonte de saída. Isso aí! Enquanto estaremos comemorando a volta ao convívio social, teremos pessoas trancadas em suas casas, sem poder sair por conta da violência doméstica, idosos em asilos ou largados em uma casa do grupo de risco de uma doença gravíssima chamada abandono. Teremos pessoas presas em casa por conta do vírus da falta de acessibilidade, ou gente que até poderia sair, mas precisa escolher se usa os R$ 5 do dia pra comprar comida ou pegar transporte público pra tentar procurar emprego. Teremos jovens à frente de suas telas, games e amigos virtuais trancados em seus quartos e, por fim, teremos todos nós sido acometidos pelo vírus da cegueira seletiva, que fará com que não enxerguemos nada disso.
Nossa sociedade adoecida pela desumanização pode escrever uma nova história sim, e quem sabe o vírus sejamos nós e a pandemia seja a cura? Mas se acreditarmos que uma grande transformação está por vir por desígnio de um Deus chateado ou de uma natureza raivosa pelo que fizemos com o planeta, digo e afirmo que Deus não sacaneia ninguém e nem deve ter tempo pra isso e que a natureza somos nós, fazemos parte dela inclusive é isso que chamamos de ecologia humana. Nossa responsabilidade é simples e nossa linha de raciocínio deve ser mais simples ainda!
Se você passou esse tempo inteiro em casa com seu marido e mulher e não se tornou um companheiro melhor, de nada serviu tudo isso. Se você teve a oportunidade de estar com seus filhos tanto tempo e não passou a conhecê-los melhor e ser melhor pai ou mãe, de nada adiantou. Se você, diante do isolamento de seus pais e avós, não se tornou um filho ou um neto mais presentes e mais amorosos, adivinha? De nada adiantou. E se, por fim, depois de ver o que a privação pode fazer e você não se preocupar com aqueles que continuam privados, de nada adiantará. E se, no ano que vem, voltar o Corona-21 “turbo mega power surround limited serie”, nós não sairemos do lugar e continuaremos nosso caminho para sermos cada vez mais “seres desumanos”.
Em tempo: a certeza que tenho é que tudo vai passar e que também passará o que fizemos com esse tempo que passou.
Pedro Salomão é sócio-fundador da Rádio Ibiza, autor de livros, como “Empreendendo Felicidade” e “LidereZ”. Mais do que um palestrante desejado, Pedro é administrador, pós-graduado em Sociologia Política e Cultural e influenciador da moda, comportamento e cultura. Ele é carioca, ele é carioca!