Grande profissional da noite que deixa um legado de ousadia, inovação e diversão, em uma atividade de quase quatro décadas. Moreno, alto e bonitão, Angelo Leuzzi surgiu como figura conhecida da noite paulistana no início dos anos 80, quando abriu o Rose Bom Bom, no encontro da Haddock Lobo com Oscar Freire, nos Jardins.
Com estética new wave — o chão quadriculado em preto e branco grudava na nossa retina —, ele instalou a atmosfera jovem underground, mais comum ao eixo Centrão-Bixiga, em um circuito de endereços destinados à clientela notívaga adulta e abonada (leiam-se Plano’s Bar, Rodeio e Gallery). De repente, o Rose, como todo mundo chamava, virou não só o lugar da moda — filas na porta, superlotação, calçadas transbordando de moçada pra lá de animada — como também celeiro de artistas e bandas que escreveram o capítulo do rock brasileiro made in Sampa: Zero,Tokyo, Magazine, Metrô etc.
Além de apresentar uma geração que fazia música sem ser músico, fazendo todo mundo dançar, os DJs. Muita gente não sabe, ou nem se lembra, que o hoje celebérrimo chef Alex Atala foi residente das picapes da casa, um jovem ruivo magérrimo, que todo mundo conhecia como Alê. Enfim, o Rose era um point, uma referência e uma fuzarca. E Angelo com Cláudia Liz, top model “extraordinaire”, formavam o casal 20 da cena. Não, eu não era habitué.
Estava alinhado com a turma underground “povo feroz”, do Madame Satã, driblando as brigas entre punks e carecas, vendo as performances da Mulher Repolho, batendo papo cabeça com a Charot, rindo dos shorts jeans cut off do Cazuza — que o deixavam com um naco de bunda de fora — e me acabando de dançar no porão, ao som dos DJs supreme Marquinhos MS e Magal. Aliás, depois do Satã, o Magal pilotou as picapes do Rose. E por razões sociais (eu frequentava tudo) e profissionais (tanto na Interview quanto na Ilustrada), sempre dava uma passada para apreciar o movimento.
Na virada dos 80 para os 90, Angelo fez de novo. Um pouco mais ao sul, na esquina da Augusta com Estados Unidos, abriu o Columbia, um misto de restaurante, nightclub e cabaré. Havia um auditório nos fundos, onde aconteceu uma noite improvisada e hilária, com Patricio Bisso atendendo a pedidos do público: “Non, essa non. Por favor. Sou péssimo de Chico Buarque de Holanda”. Espaço esse, o auditório “I mean”, que mais tarde virou o deliciosamente infame Hell’s Club, o primeiro after hours conhecido como tal na cidade e onde a geração clubber derretia na alta madrugada de sábado para domingo. Sim, este eu frequentei, mas com moderação.
Entrevistei o Angelo quando ele se preparava para inaugurar o Columbia. Afinal, aquela esquina era emblemática da cidade, e todo mundo queria saber o que Mr. Rose Bom Bom tinha na cartola para local tão visado e concorrido. Na verdade, o projeto ainda nem tinha nome, mas ele me contou algumas possibilidades. Lembro de uma delas: “Too You You”. E a gente morreu de rir.
No final dos 90, mais um tremor de terra na noite paulistana: o clube B.A.S.E. Angelo e sócios resgataram as termas do velho hotel Danúbio, na Brigadeiro Luiz Antonio, transformando o espaço em um club com pegada high-tech; tinha até um reduto com computadores para interações digitais, quase um protótipo de rede social, um verdadeiro frisson.
Foi lá que eu fiz meu bota-fora quando transformei minha vida em duas malas e me mandei pra Londres, em 1997. Angelo foi um gentleman e um querido. Aí, quando voltei, com o Bug do Milênio em nossos calcanhares, Angelo e sua então mulher, a darling Flavia Ceccato, me salvaram do banzo da noite londrina com o Lov.E, na Vila Olímpia, uma síntese de toda a experiência do Angelo como “rei da noite” mais a doçura antenada da Flavia. WOW! After hours fervidíssimos com George Activ comandando o som – aliás, o sound system da casa não tinha pra mais ninguém -, e a gente se perdendo na música, com muito chit-chat no private room nos fundos do club. Resumindo: foi no Lov.E que pendurei minhas chuteiras, depois de 20 anos de noites bem vividas e maldormidas.
Angelo e eu nunca fomos amigos, mas mantínhamos uma relação social cordial à distância, sempre com um olhar de cumplicidade. Afinal, tínhamos algo em comum: a mesma data de aniversário, 20 de março; só que ele era ariano e eu, pisciano. Na noite da comemoração dos meus 60, no ano passado — meus 61 foram adiados por conta do novo Coranvírus, portanto continuo com 60 —, quando ataquei de DJ no Jerôme, aparece um rapagão sorridente que me deu os parabéns, me abraçou e disse: “Meu pai te mandou este abraço”. Era o Lucca, filho da Claudia e do Angelo. Adorei! Angelo, Angelo, como você me proporcionou momentos fervidos e felizes! Portanto, vai na paz, na luz e no embalo da melhor trilha sonora. Valeu, seu Leuzzi!