Nos tempos atuais de pandemia, cientistas e médicos infectologistas e a Organização Mundial de Saúde têm tentado, de todas as formas, não escolher entre jovens ou velhos no momento de salvar uma vida — o próprio juramento da medicina é salvar sem olhar a quem. Não é difícil observar situação semelhante no contexto vivenciado pela pandemia do coronavírus no cenário internacional. Basta um olhar ao caos italiano, que pode facilmente se estender ao Brasil. Na Itália, com os hospitais lotados de pessoas infectadas em estado grave, com risco de morte, sem respiradores suficientes, os médicos, muitas vezes, são obrigados a escolher quem tem mais chances de viver. Que momento, meu Deus!
Aqui, sabemos que a população LGBTQI+, em todas as suas categorias, já é normalmente marginalizada e discriminada pela sociedade. Já fomos acusados, por exemplo, de ser transmissores de várias doenças venéreas — AIDS, entre outras, quando nós sabemos que essa não é a realidade. Com coronavírus, temos medo de que essas escolhas recaiam em salvar uma vida supostamente padrão da sociedade, em vez de uma pessoa trans. Num caso desses, qual será o fator de escolha, acrescido, muitas vezes, do preconceito? Na ausência de respirador, você acha que podem escolher uma trans?
Temos, mais do que nunca, que nos manter unidos, sem separação, para enfrentar esse desafio como iguais; e o bem-estar da população mundial inclui todos nós. O que deve ser considerado, num momento destes, são as capacidades mentais, físicas e emocionais – e não raça, credo, religião, cor, etnia ou opção sexual. Agora, com a crise pós-Covid-19, estamos fazendo muita troca de informações na Internet e em experiências; estamos muito envolvidas em ajudar uma à outra, além de algumas ONGs tanto nacionais quanto internacionais.
É hora de voltar pra dentro, pra saber o que fazer quando essa tempestade passar. Noventa por cento das meninas trans vivem da prostituição, infelizmente; só 10 por cento têm outra profissão. Com essa dificuldade que surgiu, sem trabalho, já que está todo mundo em casa, muitas estão repensando o que vão fazer da vida pós-corona, por exemplo, ter outra profissão, outro tipo de trabalho, já que, tenho certeza, muitas não vão querer passar pelo que estão passando agora.
Ava Simões é cirurgiã dentista e atual Miss Trans Star Internacional, título conquistado no ano passado, que elege a transexual mais bonita do mundo. Mineira de Recreio, uma cidadezinha de pouco mais de 10 mil habitantes, ela mora no Rio e tem consultório em Copacabana.