Andrea Buffara é empresária, carioca, de família numerosa, vinda do Paraná. O clã, há muitos anos instalado no Rio, é formado por personagens representativos na cidade, atuando nas mais variadas áreas. Andrea perdeu uma de suas melhores amigas, ficou contagiada pelo coronavírus e tem uma doença no pulmão.
Tudo começou num fim de semana prolongado a Punta del Leste, com partida do Rio, no dia 11 de março, e volta no domingo seguinte, dia 15. A viagem acabou se transformando na mais inesquecível para todos, mas não pelos momentos de prazer entre grandes amigos. “Éramos quatro casais; de nós todos, só um não pegou a Covid-19”, disse Andrea. Uma delas, sua amiga da vida toda, Mirna Bandeira de Mello, veio a morrer no dia 23 de março.
Como foi ver, de tão perto, a morte de uma grande amiga, levada, de uma hora pra outra, pelo coronavírus?
A morte de uma grande amiga é uma dor enorme. Choro todo dia, estou arrasada. A Mirna (Bandeira de Mello) era um esteio pra mim.
Qual foi o tamanho do seu medo, tendo perdido alguém a quem amava e sabendo dos riscos?
Logo de início, senti medo de ficar doente, contagiada por esse vírus novo e desconhecido. Quando uma outra amiga foi pro hospital, quase surtei. Mas sempre achei que a gente passa o que tem que passar, para o nosso crescimento pessoal. Só fiquei me questionando por que a Mirna, e não eu? Sobre riscos, fiquei apalermada e passei dias sem conseguir pensar; fiquei em choque. Tive também pavor de o Carlos, meu marido, morrer. Perder alguém a quem amamos é uma dor que eu conheço de perto; se pudesse, ninguém sentiria isso. Tenho sorte, agradeço a Deus todos os dias e aos meus médicos: Jorge Spitz (clínico) e David Nigri (pneumologista), Estou curada, graças a Deus!
Quanto tempo depois, você e seu marido foram diagnosticados?
Logo que voltamos de Punta. Chegamos num domingo; na segunda, comecei a tossir, tanto eu quanto ele. Penso que minha sorte foi já tomar hidroxicloroquina há três anos, por eu ter uma doença chamada bronqueolite. Quando soube, meu médico mandou dar o meu remédio também ao Carlos, por cinco dias. No meu caso, só estava tomando três vezes por semana – foi minha salvação. Acho que nem precisei ser internada graças à hidroxicloroquina, lembrando que, em se tratando de remédio, cada caso é um caso.
Sente preconceito das pessoas em saber que vocês estão contaminados?
Não tive preconceito, até porque não teria como: estamos os dois presos, em casa, desde então. Tenho muitos amigos, todo mundo liga pra saber de nós. Carinho também interfere no tratamento.
Passado quase um mês, você acha que sua alegria foi afetada?
Tenho a alegria dentro de mim. Acho que a herdei da minha mãe; isso é genético. Sou uma pessoa que ama a vida, portanto, feliz. A alegria é um exercício. Conheço gente que acha que a vida está sempre a dever algo a ela – isso não existe. Comigo, não! Estou sempre com um sorriso; isso é um exercício e assim quero continuar. Acho que a tristeza adoece. A alegria, assim como o amor, é universal, e está aí pra nós.
Como é viver, na prática, numa quarentena, estando doente? (os cuidados com os objetos, as maiores dificuldades, alimentação…).
Estamos tranquilos, até porque não ficamos tão ruins. Quando é pra receber alguma coisa, uso luvas e máscaras e fico atrás da porta. Com os objetos, sem problemas; só convivemos eles e nós.
Conviveu com muitas pessoas antes de saber o diagnóstico? Em caso afirmativo, sabe se algum deles apresentou sintomas? E qual a sensação de poder ter contagiado alguém?
Convivi. Gosto muito de sair, estive almoçando no Country, mas acho que nos contaminamos mesmo foi em Punta. Uma amiga, a Aminta (Duvivier), ficou internada, teve pneumonia, mas já está curada. Glória e Luiz (Severiano Ribeiro) estão ótimos. Pegamos o vírus juntos e já estamos todos bem. Sensação de ter contagiado alguém, não tive em nenhum momento.
Existe algum medo agora? Qual?
Acho que o luto se sobrepôs ao medo. Sou um pouco medrosa com saúde, sim, mas só tive uma tosse e um pouco de dor no corpo. Sua uma pessoa de muita fé — isso contribui.
Seus amigos falam abertamente do vírus?
Acho que todos que têm o vírus precisam declarar para que as estatísticas sejam reais; nós, por exemplo, não estamos em estatística nenhuma.
O coronavírus afetou seu crescimento humano?
Passei a valorizar ainda mais as pessoas que amo, e me lembrou muito aquilo: ‘presta atenção, que você pode perder alguém amado de repente’. Meus amigos sempre ocuparam um lugar muito importante pra mim; agora, ainda mais. Eu me senti muito amada também, com a sensação de o Rio inteiro ter me ligado. Muita gente preocupada, mais ainda por saber que eu tenho problema no pulmão. Recebi muita força, mas posso lhe dizer, com segurança, que, além de uma faxineira de mão cheia, o coronavírus deixou claro pra mim que nós, cariocas, mais do que em qualquer outro lugar, somos os mais solidários do mundo nesses momentos.