O escritor Marcel Proust, certa vez, disse que a grande viagem da descoberta não está em novas paisagens, mas em novas formas de olhar.
A psicanálise se adapta perfeitamente a esse dizer, esforçando-se, desde sempre, em busca de uma nova forma de olhar a realidade psíquica humana. Para tal, procura desenvolver uma prática com os analisandos que é sinônima de seleção – através da observação – para inclusão ou exclusão de fatos inconscientes. Assim, o psicanalista tem de decidir se inclui ou exclui uma determinada interpretação, associação, ideias, experiências e assim por diante, que possam privilegiar uma determinada ótica, a ótica do inconsciente.
Se isso se torna possível, a personalidade pode decidir pela inclusão ou exclusão de certas qualidades ou características, mas, se falha nessa função, ocorrem consequências.
Não gostar do ônus da decisão, ou da consciência da responsabilidade pela decisão, contribui para a formulação de procedimentos de seleção pelos quais se inserem dogmas políticos, teorias religiosas, leis da ciência e similares, como substitutos para o julgamento ou como bodes expiatórios para a culpa concomitante sobre o reconhecido exercício de responsabilidade. O Congresso Nacional é um exemplo contundente desse problema.
A falha está na negligência em observar, e é intensificada pela inabilidade de apreciar o significado da observação. O ser humano nunca cessou de ser perseguido pela sua mente e pelos pensamentos usualmente associados a ela — quaisquer que sejam suas origens. Portanto, o psicanalista nunca pode esperar que a psicanálise seja feita para escapar ao ódio da mente. Contudo, existe para tentar enfrentá-lo.
Certamente que o psicanalista defronta-se, todo dia, com quem procura um refúgio de sua mente na insensatez, na sexualização, na ação sem pensamento, e em graus de estupor fornecidos pelas mais diversas drogas. São linguagens de substituição criadas para evitar o contato com a realidade psíquica. E, sem esse contato e o conhecimento dessa realidade, não pode haver indivíduos autônomos nem sociedade autônoma.
Por essa razão, mesmo os países mais ricos do mundo, apesar de terem alcançado para a maioria de sua população um nível de vida material bastante satisfatório, não resolveram problemas fundamentais do ser humano. As pessoas não são mais livres nesses países nem se tornaram adeptas de mudanças, com consciência e responsabilidade suficiente para se opor a projetos econômicos que estão destruindo o Planeta.
Vejam o exemplo da China: apesar de toda a sua industrialização e poderio econômico, não conseguiu evitar os meios que trouxeram esse vírus mandarim, ironicamente chamado de Coronavírus, como a coroa de um imperador acima do bem e do mal ameaçando a vida na Terra.
Isso ocorre porque, simplesmente, a China não é uma sociedade autônoma que possa gerar seres humanos livres e, na medida do possível, com sabedoria para respeitar a vida humana. Sabedoria que depende do esclarecimento de forças psíquicas, como ambição, voracidade e inveja.
Se essa sabedoria ocorre, as chances de termos um desenvolvimento sustentável pode tornar-se uma realidade.
Foto: Hector Retamal/AFP