A artista plástica mineira Rita Lessa tem um pé no Rio, neste momento, também na lama de Belo Horizonte, nessa pós-tragédia que acaba de acontecer em Minas Gerais, tão machucada quanto seu estado de espírito. Rita, que é desenhista, grafiteira e pintora, já mostrou seu trabalho em cidades, além da carioca, como São Paulo e Paris, assinou peças utilitárias para novelas da Rede Globo, como a “Regra do Jogo”, com seu trabalho reconhecido e vibrante.
Ultimamente vem transformando sua dor em arte, desde as tragédias de Mariana e Brumadinho, sob os títulos “Tudo boiou”, “Cadê o telhado que tava aqui?” ou “Encharcação”! Leia sua entrevista, numa intenção mais subjetiva, digamos assim:
Qual seu sentimento com o momento atual de Minas?
Aos que me ligam, amorosos, tensos naturalmente, eu vou dizer o quê? Que no meu ateliê deu goteira? Que perdi três telas em processo e um bocado de produtos de minha ‘linha casa’ encharcaram e, na fé, esperei que o tímido sol do dia seguinte desse um jeito naquilo? Que, em outro espaço — no meu estúdio —, o mofo quer dar de cima e o combate ali é diário? Não, é constrangedor falar de mazelas para o meu lado, quando tantos perderam foi a vida. Há quem não tenha para onde voltar. Isso entra na cabeça de alguém? Se não são vítimas fatais porque morreram e foram enterradas, morre-se subjetivamente frente à pergunta ‘por onde recomeço isso meu Deus?!’ Não carece relembrar aqui cenas que todos viram noticiadas: ruas que viraram rios com afluentes, rios que não pouparam ninguém: pessoas, classe social, nadamos todos. Submergimos, boiamos! Óbvio, quem de fato não paga nunca esta conta é o pobre! Parte do teto dum shopping de alto padrão desabou na trágica noite do dia 28 de janeiro; pela manhã, conserto feito!
É sofrimento repetido e intenso em MG!
Pessoas, nosso estado vem sendo chicoteado, isso tá na cara. O impensável para nós, leigos (para autoridades no assunto, possível e previsível) aconteceu: a destruição que adveio com o surreal rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho teve, tem e terá consequências nefastas para todo o sempre. De novo, a conta….Quem e como se paga isto? Sabe-se que somos um estado de atividade minerária. Sabe-se da usura do grande capital. Ele sabe quando parar? Ele trabalha com rigorosos métodos que mensurariam o seu próprio avanço guloso e desmedido? A ação das empresas mineradoras é, depois do caos instalado, paliativa ou definitiva, altruísta, eficaz no sentido de fazer diferente?
As autoridades sempre culpam as chuvas. O que acha disso?
Qual a novidade para o momento janeiro, verão num país tropical? Possivelmente nenhuma. Ah, choveu mais forte, mais horas, mais isso e aquilo. Como nos preparamos para o que sabemos que virá: chuva? Especialistas falam dos rios canalizados, abafados (não é da natureza dum rio amorfanhar-se sob o concreto..), falam da hiper impermeabilização asfáltica (água tem desaguar nalgum lugar, caramba), falam na desimportância de tal conjuntura para sucessivas administrações….. Minha Belo Horizonte acordou feia no dia 29 de janeiro …. destruída, barreada, poeirenta, buracos que são maxi bacias e todo mundo cabreiro se sentindo sem pai, nem mãe, esses que pegam na mão da gente, aconchegam, olham nos olhos e não dizem outra coisa ‘não tenha medo, já passou’.
Você tem um trabalho com um olhar para esse tipo de acontecimento, não é? Quadros com títulos como “Céu com zanga”, “Tudo boiou”, “Cadê o telhado que tava aqui?”, “Encharcação” e outros!
Há mais ou menos um ano minhas telas têm um tema ‘a cidade em nós’. Nós substantivo (impasses), nós pronome pessoal, nós. Venho pintando muito o desabamento, telhados que escapam, rios cobrindo a vida….Isso há um ano, não é efeito dum 28 de janeiro…. Mostro isso tão logo numa feira de arte e design em SP.
Foto: Massimo Failutti