Milton Cunha vive, há anos, um relacionamento sério com o carnaval. A parte mais conhecida talvez seja a de comentarista dos desfiles (com Fátima Bernardes e Alex Escobar) para a Rede Globo, na função desde 2013. Quando ele entra em cena, esperamos entonações graciosas e comentários sinceros. O cara conhece muito o assunto, talvez tanto quanto da coleção de óculos, sapatos e figurinos extravagantes — produz 40 ternos por ano (são mais de 500 no closet) —, além de uma voz marcante que os imitadores amam reproduzir.
E, claro, sabe cada personagem notável ou não do samba e, ainda, sobre todos os destaques que riscam a Marquês de Sapucaí. Milton Cunha é a própria apoteose — rsrsrs. Psicólogo de formação e mestre, doutor e pós-doutor pela Escola de Belas Artes (UFRJ), o paraense — que nasceu na Ilha de Marajó, depois foi morar em Belém e aos 20 anos e pegou um pau-de-arara rumo ao Rio — está nessa vida há 27 anos. Foi carnavalesco das escolas Beija-Flor, União da Ilha, Unidos da Tijuca e São Clemente.
Fora da maior festa da Terra, Milton leva uma vida normal. É professor universitário — dá aula sobre Produção de Carnaval numa faculdade. É casado há 13 anos com o passista e professor de educação física Eduardo Costa, que adivinha quando conheceu? No carnaval, ora!
Qual a sua lista de trabalho etc. para este carnaval? Quando começa?
Vou ser embaixador do camarote Vivant, ao lado da rainha Viviane Araújo, comentar os desfiles deste domingo e segunda no estúdio de vidro da Globo na Sapucaí, ao lado de Fátima Bernardes e Alex Escobar, e também faço apuração com Mariana Gross. Então vou muito para a Sapucaí.
Como é o espírito do Milton Cunha no domingo de carnaval?
Acho o carnaval a melhor coisa que o brasileiro produziu, fico em êxtase. É muito gratificante ver as comunidades desfilando, ver o povo nos blocos. Há um momento de torpor na cidade, que fica mais louca, mais bonita, mais animada – isso me agrada muito. Antigamente, o domingo de carnaval era a glória nas ruas do Rio. Era lindo ver o pierrô e a colombina, o confete e a serpentina; era tudo muito lírico, e agora vamos para Sapucaí, pro bloco. É, ao mesmo tempo, saudosista e presente.
E, na terça de manhã, o jetlag se apresenta?
Terça (25/02), eu acordo às 17h e vou para o bloco, então é meu fim de carnaval. Às vezes, ainda me animo e vou ver as crianças na Sapucaí e fico até a noite. Quarta de Cinzas, faço a cobertura da apuração. O jet leg é depois do sábado das campeãs (29/02). Aí, como passei muitos dias indo dormir de manhã, a semana seguinte é barra pesada. Não dorme ninguém. Fica todo mundo em casa olhando a madrugada e vai dormir às 7h.
Algum amor de carnaval?
Meu marido. Estou com ele há 13 anos. Ele era um fã que me via passar na Sapucaí em várias escolas. Então ele entrou nas minhas redes sociais e mandou mensagem, deu em cima de mim e me ganhou. Nunca mais nos separamos desde o carnaval de 2009. Ele é passista da Beija-Flor, e a nossa vida é bem animada, bem carnaval.
O que é mais irritante e compensador nesse frenesi para quem está trabalhando que nem louco no carnaval?
É a falta de apoio governamental, do gestor público. É preciso que eles enxerguem a grandeza da atividade cultural, artística e econômica do carnaval. Então não dá pra ignorar. Isso é muito irritante pra gente, que faz escola de samba. É ver que o artista popular é o máximo, escultores, pintores, marceneiros, costureiras, ferreiros, são lindos e se exibem majestosamente. É ver que as comunidades conseguem essa janela de expressão magnifica, então a visibilidade do artista popular é total.
Você faz alguma preparação física para aguentar o pique?
Minha preparação é o tremelique. Como eu não durmo, não como, eu me tremo todo e me tremendo eu vou indo.
Algo curioso chamou sua atenção neste carnaval?
O curioso é que duas escolas vão apresentar piscinas ou espelho d’água, a Viradouro e Grande Rio, quatro vão colocar favelas na avenida (Mocidade, Ilha do Governador, Mangueira e Unidos da Tijuca). Foi um ano de dinheiro curtíssimo, então é um ano de criatividade, mas escola de samba nunca teve raio laser, espelhos, luzes de LED, escola de samba é bateria competente, puxadores apaixonados, componentes movidos pela vontade de botar o samba na rua, baianas dignas, o samba sempre foi de luta e superação. Estou esperando que venha um espetáculo do tipo ‘ahh é, você não gosta de mim, mas sua filha gosta’.
Em que ou quem apostaria todas as fichas neste carnaval?
Aposto todas as minhas fichas na Grande Rio, nos dois jovens carnavalescos (os estreantes Gabriel Haddad e Leonardo Bora). Acho que vai ser um espetáculo, o samba-enredo está lindo; então, se a escola desfilar bem, vai brigar pelo título.
Canal aberto com o prefeito!
A alegria nunca foi pecado, a celebração faz parte da historia da humanidade. Qualquer gestor que venha a cercear o direito da celebração tá remando contra o espírito carioca de ser. O carioca criou o samba para traduzir o seu cotidiano e, no carnaval, vira a escola de samba. Não será a religião de ninguém que vai nos segurar porque pecado é não brincar o carnaval.