Como gaúcha de nascimento, descendente de alemães, poloneses e portugueses, o carnaval para mim poderia ser uma realidade distante, mas tem sido bem o contrário! Desde criança, eu tinha um amor platônico pelo maior espetáculo da Terra. Assistia a todos os desfiles grudada na TV até de madrugada e, quando aparecia a cantora Rosemary, eu ficava encantava com seus “costeiros” cor-de-rosa. Foi minha inspiração vê-la radiante no chão, nos desfiles da Mangueira — e uma mulher já madura. Muito longe daquela realidade, eu me contentava com os bailes e bloquinhos. Vim morar no Rio, aos 19, me casei aos 20. Uns seis anos depois, fui com meu marido assistir aos desfiles, convidada, num camarote. Quando vi a primeira escola perto de mim, senti como se parecia que o meu cabelo estivesse em pé. Foi incrível!
Minha mãe era apaixonada por carnaval, e eu e minha irmã íamos sempre fantasiadas. Desfilar só passou a ser um sonho possível tempos depois: aos 51 anos, quando resolvi aprender a sambar. Às vezes, sem entender muito a razão, passamos tempos sem começar a fazer algo que tanto queremos. Logo depois, aos 52, recebi um convite para sair de destaque de carro, mas recusei. Meu marido, Jones, achava que, no alto de um carro, eu não poderia mostrar tudo que aprendi nas inúmeras aulas de samba – e ele estava certo. O meu sonho era maior: desfilar no chão e mostrar tudo que sabia — e o carnaval deixou de ser desfilar uma vez para realizar um sonho.
Foi difícil conquistar o posto de musa de escola de samba. Eu não tinha o perfil habitual, não era famosa, não era de nenhuma comunidade, não era jovenzinha, não tinha contatos. Mas tinha muita disposição e cara de pau! Fiz fotos com minha amiga, a fotógrafa Denise Leão, e mandei e-mail para várias escolas. A primeira oportunidade veio no Império Serrano, totalmente por acaso, através de um amigo, e, logo depois, por indicação da minha professora de samba no Império da Tijuca. Tudo em 2014.
O meu pertencimento ao samba causava um ar de desconfiança, mais ou menos como “O que ela está fazendo aqui?” Mas eu conquistava as pessoas ao começar a sambar. Elas viam que eu sabia e entendiam através do meu sorriso, do meu suor, da minha entrega, que eu nasci amando essa festa, exatamente como elas.
A verdade é que eu me entreguei ao carnaval, eu quis muito ser parte deste mundo. Então, passei a frequentar os ensaios, eventos e busquei aperfeiçoar meu samba no pé com profissionais competentes. Dessa forma, as pessoas passaram a me acolher, torcer por mim. Elas sentiram que eu estava ali de corpo, alma e coração. Hoje recebo inúmeras mensagens de mulheres de toda parte do Brasil e até estrangeiras falando que se inspiram em mim, que sou um exemplo para elas, pedem dicas, conselhos, o que me deixa muito lisonjeada.
De certa forma, mulheres mais velhas no carnaval vêm mostrar que existe vida depois dos 50 — que a mulher pode se reinventar, pode começar uma nova atividade, uma paixão em qualquer fase da vida. O carnaval me deu a oportunidade de levar essa mensagem, mesmo que sem pretensão.
Este ano, além de desfilar na Vila Isabel, onde me sinto parte de uma grande família, a convite do carnavalesco, Júnior Pernambucano, saio também no Império Serrano, o que na verdade é um retorno — foi foi a primeira em que desfilei. Eu me identifiquei muito com o enredo, que teve muito apelo sobre mim, começando pelo título: “Lugar de mulher é onde ela quiser!” E é mesmo!
Esse amor pelo samba e carnaval só aumentou em todos esses anos. Virei avó, o que foi a maior emoção que já vivi e já são 4 netos: Nico, Nina, Tim e Lolô, que amo mais que tudo. Meu maior desejo é conseguir sambar até eles poderem assistir! Aí vai ser a glória da minha vida!
Paula Bergamin é paisagista. Define-se como cariucha (carioca com gaúcha), mas sua cidade do coração é o Rio. Aos 58 anos, cara de 48 e corpinho, ou melhor, corpão de 38, ama o carnaval. Virou musa da Vila Isabel aos 52 anos.