Ney Matogrosso já disse, em entrevista ao site, ser “fora do esquadro”. Pode até ser, mas tudo o mais desse artista de 78 anos parece perfeitamente dentro do esquadro — do timbre da voz ao inacreditável corpinho: músculos em dia, barriga negativa, bunda perfeita, perna em elevado conceito, combinados à rapidez, como já publicado aqui. Além do mais, Ney é discreto, sereno, tem pavor de multidão, ama animais e é um homem sem medo. Boa parte disso ele leva pro palco — quem quiser pode ver em “Bloco na rua”, que passou pelo Brasil inteiro. Ele voltou ao mesmo palco, no Vivo Rio, nesse fim de semana, com mais uma apresentação no próximo dia 18. “Nesse show, não queria nada inédito, apenas cantar o que eu gostasse, independentemente de já ter sido gravado inúmeras vezes, só que com arranjos mais pop”, explica.
O DVD do show foi gravado em julho do ano passado e lançado recentemente — quase uma produção cinematográfica, aos cuidados do diretor Felipe Nepomuceno. A maioria das canções foi lançada na década de 1970, quando a ditadura ainda reinava, mas Ney não costuma politizar, e tem sido assim desde o tempo em que integrava o Secos & Molhados. “Nunca fiz discursos politizados: as letras das canções dão os seus recados”, diz. Quer fazer algum comentário sobre o governo? “Não quero falar porque não tem nada de bom pra dizer”. E o Rio? “O nosso Rio, coitado, está num buraco sem fundo, totalmente abandonado, desvirtuado. O cartão-postal do Brasil está vivendo na lama”. E algum recado ao prefeito? “Que prefeito?”. E conclui dizendo que, neste momento do Brasil, apesar da falta de estímulo, as pessoas ainda estão criando coisas lindas.
UMA LOUCURA: “Viver na Terra, neste momento, é uma loucura. Se você olhar bem, tudo pode acontecer, para todos os lados.”
UMA ROUBADA: “O réveillon em Copacabana. Mas nunca sofri ali, porque eu sempre me recusei. É um lugar que você precisa sair a pé na madrugada. Passei a virada no meu sítio, com cinco amigos.”
UMA IDEIA FIXA: “Viver em silêncio, calmo; não sou uma pessoa que vive falando. Eu fico muito tempo sozinho porque gosto e preciso, o que não significa que eu esteja fechado a nada; pelo contrário, estou aberto a tudo para observar o mundo, receber o mundo, receber energias, o Universo. Eu não estou fechado, só tenho uma maneira de viver que é diferente.”
UM PORRE: “Não é uma coisa que aconteceu com frequência na minha vida, mas a última vez que eu bebi, tomei um porre e, quando cheguei em casa, tive que sentar agarrado ao vaso sanitário, e tudo rodava. Já era para me mostrar que aquilo não era a minha: não suporto ficar bêbado. Já fiz de tudo; hoje, não faço mais nada porque resolvi viver assim. Chegar naqueles estados alterados, sem tomar nada, é uma loucura da minha cabeça.”
UMA FRUSTRAÇÃO: “Não ter ido cantar no Ano do Brasil na França (2005), por uma confusão com a Lei Rouanet. Eu já tinha sido contratado por um empresário por um preço. O Ministério da Cultura chegou e disse que eu não podia ir ganhando diferente dos outros artistas. Mas eu disse que não estava indo pelo Ministério, mas por outro contratante. Acabei não indo. Isso embaçou a minha ida. Nunca fiz nada com a Lei Rouanet, que, além de não ajudar, atrapalha. Dou graças a Deus de não ter o rabo preso com isso.”
UM APAGÃO: “Posso ter um apagão, mas acredito que isso é normal, acontece com todo mundo. Você está conversando e, de repente, não sabe onde estava o rumo da história, ainda mais eu, que tenho que conversar com muita gente. Eu até tenho uma boa memória, mas não guardo o nome das pessoas, somente a fisionomia. Aí tem gente que chega pra mim e diz assim: ‘Lembra de mim?’ Eu digo lembro, mas querer que eu saiba o nome de gente que eu conheci no meio de multidão já é demais.”
UMA SÍNDROME: “Não sei se essa coisa de viver assim, sozinho, é uma síndrome; talvez seja. Pra mim, é normal, é natural, gostar de viver com pouca gente; não suporto multidão. Nos shows, é diferente: eu estou no centro, não no meio. Por exemplo, adoro carnaval, adoro assistir, mas fui pouquíssimas vezes à Sapucaí. É muito confuso, mas acho lindo.”
UM INSUCESSO: “Talvez meu insucesso seja a minha não disposição para viver com alguém. Eu gosto de namorar gente que mora perto; junto, jamais. Porém é uma coisa que eu me questiono muito, sabe, essa questão de não gostar disso. Por que todo mundo quer, e eu não quero?”
UM IMPULSO: “Todo momento é um impulso na vida, cada decisão é um impulso — eu vejo assim. Uma vez, estava ensaiando um show, cenário sendo feito, figurino quase pronto, banda, mas eu não estava satisfeito. Olhava para aquilo tudo e dizia: ‘Vou estar repetindo o que já fiz’. Paguei a todo mundo e liberei. A imprensa disse que eu estava pirado, que eu tinha parado uma coisa que já tinha começado. E eu fiquei na minha casa esperando vir a inspiração para o próximo passo, que foi ‘Pescador de Pérolas’ (1987, primeiro álbum ao vivo, aclamado pela crítica). Então eu não me arrependo. Eu estava muito bem da cabeça quando tomei a atitude de parar — o contrário do que disseram de mim.”
UM MEDO: “Não convivo com medo, não. É um exercício que eu faço, porque o medo supremo seria a morte, não é isso? E eu não tenho medo da morte. As pessoas têm medo da única certeza que nós temos na vida. Como é que pode ter medo? E também acredito que não vai acabar — é somente a minha passagem por aqui, mas alguma coisa minha vai continuar, de todos nós. Eu acredito em reencarnação, em vidas em outros planetas. Acredito nessas coisas, portanto não posso ter medo de nada. Da violência também não tenho medo porque não me exponho.”
UMA IDEIA FIXA: “Meu trabalho. É a única ideia fixa que eu tenho.”
UM DEFEITO: “Mania de perfeição, porque ela é inalcançável. Não sei se todo artista é assim; penso que sim. Então eu acho que consigo oferecer o melhor que eu posso. Não sei se posso considerar a perfeição, mas é o melhor. A minha meta é a perfeição, e isso em todos os aspectos da vida.”
UM DESPRAZER: “Observar os comandos do nosso país, a política… Esse é o maior desprazer de estar aqui.”
UMA PARANOIA: “Não sou chegado a paranoias.”
Foto: Felipe Panfili