Sangue do meu sangue. Laços de Sangue. Banho de sangue. Essas são expressões de nosso cotidiano. Na primeira, é o veto ao incesto, única interdição em qualquer sociedade; a segunda fala de relações que não se dissolvem e do horror dos assassinatos em massa, injustos, violentos. Esses são os veios condutores da peça “Sangue”, espetáculo, ao mesmo tempo, de enorme impacto com a sua absoluta qualidade.
A emoção do texto original está presente na tradução de Karl Erik Schollhammer, professor dinamarquês, com uma visão clara dos sentimentos da América Latina. A direção de Bruce Gomlevsky consegue fazer, com eficiência rara, com que um texto difícil – uma trama de contrastes, viradas, sempre intensos, incomuns, dor permanente em feridas que sangram — se torne uma poesia que confronta a plateia com a profunda dimensão dos exílios físico e afetivo.
No cenário de Vinicius Fragoso e Bruce Gomlevsky, composto por elementos que se movimentam para descrever os diversos tempos e ambientes, os atores — o brilhante e experimentado Charles Fricks ao lado do talentoso estreante Pedro di Carvalho — mostram como uma relação sem balanço pode ser equilibrada, na excelente interpretação de ambos. O primeiro é um psicanalista exilado em Paris, e o segundo, um jovem estudante de Medicina.
Ainda que seja escrita pelo consagrado autor dinamarquês Lars Norén, “Sangue” é capaz de descrever as angústias provocadas pelos horrores das ditaduras, pelos impasses de uma sociedade latino-americana classista, pelo apego às próprias ideias. No entanto, é na apresentação do humano mais cotidiano, casamentos que já deveriam há muito ter terminado, em relações encarceradas e sem futuro e no desencontro do destino, no imponderável, no descontrole do que é a vida, que “Sangue” é um espetáculo imperdível.
Serviço:
Teatro Petra Gold, Sala Marília Pera
4ª e 5ª às 20h