A degradação ambiental não é exclusividade do Rio, no entanto parece que, depois de quase 500 anos de bota-abaixo ambiental, tornou-se uma especialidade dessa mesma cidade que se internacionalizou como “Cidade Maravilhosa cheia de encantos mil”.
Tirando os maciços da Tijuca e da Pedra Branca, com exceção das ocupações em vários trechos de suas encostas, o quadro é desolador. Nas baixadas, praticamente nada sobrou, a não ser alguns fragmentos que deixaram alguns nomes nativos impressos nesses locais, para o que um dia representava a exuberante biodiversidade existente. São eles: Guaratiba, Sernambetiba, Jacarepaguá, Marapendi, Tijuca, Camorim, Sepetiba, etc.
Em pleno século XXI, diferente da visão inicial — centrada na obtenção de espaço a qualquer custo, com os reduzidos esforços mecânicos à disposição naquele início de “colonização” —, hoje, a relação homem e ambiente continua mais conflituosa do que naquele século XVI.
Continuamos, de forma muitíssimo mais intensa, degradando criminosa e irresponsavelmente, praticamente, os mesmos recursos naturais outrora abundantes, simplesmente desconhecendo ou fazendo que não existe todo o conhecimento científico acumulado nesses quinhentos anos!
Nesse contexto, o sistema lagunar de Jacarepaguá é o retrato mais desbotado e fiel de nossa relação predatória, ecocida, com o que restou de nosso ambiente nas baixadas da cidade do Rio de Janeiro, onde sobram leis ambientais assim como impunidade diante dos grupos que se beneficiam econômica e politicamente da degradação, pois é claro que o quadro que constatamos em nossa cidade é fruto direto da certeza da impunidade quando o assunto é degradação ambiental.
Não fosse essa certeza, não teríamos rios, lagoas e baías transformados em latrinas, tampouco o crescimento urbano desordenado, como uma verdadeira metástase no tecido urbano-ambiental de nossa cidade.
No entanto, olhando para frente, enquanto ainda temos algum tempo diante do estrago ambiental que só faz crescer, vem a proposta do senhor governador do estado do Rio em trazer um parque da Disney. Lembrando bem a passagem de Walt Disney pela cidade, nos anos 1940, resgato a informação de que foi justamente na lagoa da Tijuca que o hábil desenhista se inspirou nos papagaios outrora existentes, para criar o famoso Zé Carioca! Não sei se a história é verídica, mas independentemente disso, a lagoa da Tijuca conhecida por Disney e sua equipe, simplesmente, desapareceu.
Pois foi justamente nesse sentido que, imediatamente, encaminhei por WhatsApp ao governador a seguinte opção ao parque da Disney: inicialmente, resgatar os R$ 660 milhões que deveriam ter sido utilizados para a recuperação do sistema lagunar de Jacarepaguá (mais um dos legados olímpicos que não saíram do papel), e que não sei exatamente que fim levaram; depois, transformar o sistema lagunar no maior parque temático ambiental costeiro da cidade. Destaco que esse dinheiro era grana carimbada para o projeto de recuperação. Pelo menos, era isso que me diziam à época.
Nos moldes de parques temáticos particulares, abundantemente encontrados no estado da Flórida, tal como o Gatorland, aproveitar tudo que temos insistido em degradar no sistema lagunar, sem gerar sequer um emprego, nenhum imposto, nenhuma melhoria na qualidade de vida da sociedade, o futuro parque poderia gerar empregos e inúmeras oportunidades econômicas no principal passivo ambiental do Rio.
Não há muito o que inventar! Basta restabelecer o que havia sido combinado na matriz de responsabilidade olímpica, há exatamente 10 anos e executar. Os projetos já existem, tanto na Secretaria municipal de Meio ambiente como na estadual.
Alguns dirão: não há recursos! Sim, mas, quando havia, mesmo assim não aconteceu praticamente nada! Pois além dos recursos, o que nunca houve foi de fato vontade de reverter a degradação ambiental no sistema lagunar. É fato que os interesses de uma minoria pública e privada beneficiada diretamente pela degradação continua se impondo como a principal ação contrária para a recuperação de lagoas, manguezais, rios, brejos e praias, todos ativos ambientais sistematicamente degradados. O projeto poderia ser executado em partes, aliás, como acontece em todo o mundo.
Anos atrás, disseram-me que o caso das frequentes mortandades de peixes na lagoa Rodrigo de Freitas era uma característica histórica daquele ecossistema. Pesquisei e vivenciei a mesma situação em menor escala que aquela que observo desde 1992 no sistema lagunar, com os mesmos delinquentes ambientais. A partir do momento em que a sociedade se mobilizou, em 2000, por meio dos abraços, a causa principal que exterminava a vida aquática foi debelada, e o que era uma triste marca periódica desse ecossistema tornou-se um fenômeno esporádico.
Portanto, a recuperação ambiental e econômica do sistema lagunar não é um problema técnico, mas apenas e singelamente fruto da histórica falta de interesse político e social em restaurar e aproveitar economicamente o maior passivo ambiental de nossa cidade.
Resta saber se o atual governador entrará para a história como mais um dos governantes que nada fizeram sobre esse assunto, ou que entendeu que desenvolvimento econômico, numa cidade como a nossa, só pode rimar com eficiente gestão econômica e ambiental de nossos recursos naturais: lagoas, baías, praias, manguezais, restingas e cia. Se for o segundo caso, sem dúvida, ficará lembrado na história de nossa cidade. O futuro dirá.