Quem acompanha o cotidiano da doleira Nelma Kodama, nos jornais ou nas redes sociais, está acostumado a uma certa — como dizer? — extravagância, atrevimento, ousadia? Mais ainda, considerando que Nelma é ex-presidiária da operação mais falada e famosa do Brasil, a Lava-Jato. Mas há quem prefira chamar sua maneira de ser de autêntica e destemida — passa mesmo a impressão de que bota o que pensa em cima da mesa. Dos figurinos grifados aos penteados diferentes e até alguns passos de Puka Kodama, a cadelinha da raça pug, que também tem perfil no Instagram e aprecia um acessório, como a dona.
Nelma, ex-namorada por nove anos do também doleiro Alberto Youssef, foi a primeira presa da operação, vindo a deixar a prisão em 2016, com uso da tornozeleira eletrônica — tendo se livrado dela em agosto deste ano, e essa imagem foi parar ao lado de um scarpin Chanel. O assunto foi faladíssimo. Exatamente essa foto virou a capa do recém-lançado livro de memórias “A imperatriz da Lava-Jato” (Ed. Matrix — em depoimentos ao jornalista Bruno Chiaroni), contando sua história: antes, durante e depois de tudo que viveu.
E Kodama comenta algumas lembranças: “Eu olhava pro Marcelo Odebrecht (empreiteiro), Zé Dirceu (ex-ministro-chefe da Casa Civil de Lula), Pedro Corrêa (ex-deputado federal), Nestor Cerveró (ex-diretor da área Internacional da Petrobras) na prisão e pensava: aqui, todos são iguais, por mais que se seja poderoso, inteligente, brilhante, todos estamos subordinados às mesmas regras”. E segue: “Estou muito feliz com meu livro, oportunidade que estou tendo de divulgar a minha história e mostrar que nunca precisei roubar ninguém, que sempre trabalhei honestamente”, diz inconformada, aquela que teve a pena de 15 anos de prisão extinta, graças ao indulto de Natal concedido no fim de 2017 pelo ex-presidente Temer, enquanto completa: “Estou aqui tanto para o bem quanto para o mal, para matar ou para morrer,”
Chamada de a mulher do deboche, ela discorda. “Vivo o melhor momento da minha vida; isso ninguém vai me tirar, mesmo pela perseguição que ainda há pela minha pena perpétua composta pelos algozes de carteirinha assinada, mas que não entregam o telefone para fazer perícia. Ficam querendo saber da minha vida, até mesmo com quem eu durmo ou paga as minhas contas, aliás pagas pelo meu namorado (o lobista Rowles Magalhães), que é rico, bom de cama e ainda por cima me sustenta, fazendo pequenos luxos e mimos que sempre mereci”. E completa: “Eu ganhava muito, podendo passar mais de 1 milhão de dólares pelas minhas mãos por dia, e não desfrutava de nada, por não ter tempo. Na prisão, aprendi a valorizar os cinco sentidos da vida: visão, audição, olfato, tato e paladar. Quando atingi isso, depois de limpar latrina e lavar pano de chão (sem desmerecimento, por favor), posso dizer que foi sublime”.
Qual o brasileiro pode esquecer que, durante um depoimento à CPI da Petrobras, ao falar de sua relação com Yousseff, ela cantou “Amada Amante”, de Roberto Carlos?
UM PORRE: Tomei um porre quando tirei a minha tornozeleira eletrônica. Eu quis comemorar – qualquer taça de champagne já me deixa de porre, mas essa foi a mais bem tomada da minha vida: a comemoração da retirada. Dormir plugada, com tornozeleira, enrolada aos fios, me incomodava muito.
UMA FRUSTRAÇÃO: Minha frustração é não ter sido mãe; agora, nem tenho mais útero. Pensei em doação, mas tem uma creche com nome do meu avô, há mais de 30 anos, em Canarana, no no Mato Grosso, a Casa da Criança e do Adolescente Higino Penasso, e eu tenho um envolvimento com essa creche.
UM APAGÃO: Quando eu estava no presídio e o juiz autorizou minha ida ao hospital para fazer exames e, por fim, acabei tendo de fazer uma cirurgia. Eu tinha problemas no estômago pela péssima alimentação e pelo estresse, que se intensificou na prisão.
UMA SÍNDROME: Tenho síndrome do pânico, por exemplo, ficar em lugares fechados, congestionamento, carro trancado ou lugares sem porta nem janela. Passei dois anos, três meses e 11 dias numa cela de 1 por 2 sem ventilação e sem janela. Imagina como sofri quando estava presa…
UM INSUCESSO: Insucesso foi não ter celebrado o meu acordo da forma justa, que eu acho deveria ter sido. Mas insucesso ainda maior foi ter conhecido o (Alberto) Youssef e projetado o homem que ele não era. Pensava que fosse corajoso, inteligente, protetor, mas, na verdade, ele não é nada disso. É um oportunista, fraco e que não assume as suas ações. Esse foi o maior insucesso da minha vida.
UM IMPULSO: Tenho o impulso de comer muito doce. Na prisão, eu chorava direto, eu sonhava que tava chupando uma laranja, tomando um sorvete, comendo pipoca doce, daquela que gruda no dente, comendo uma barra de chocolate e, quando eu acordava, não tinha nada disso. Eu pegava açúcar, misturava com água e tomava.
UM MEDO: Tenho medo de não ter medo. Quem tem medo é mais cuidadoso, pensa mais antes de agir e respeita os limites. O melhor nadador é aquele que morre afogado.
UMA IDEIA FIXA: Minha ideia fixa é que toda a verdade dos bastidores da Lava-Jato venha à tona; já fiz a minha parte. Tenho ainda ideia fixa que cada um que manipulou os processos de buscas e apreensões, que um dia venha a pagar por isso e que a mãe de cada um vá visitá-lo no lugar merecido.
UM DEFEITO: Defeito é a minha teimosia e a minha persistência. Vou até o final, não importa as consequências, o que considero um defeito porque nem sempre o mundo é justo, e as pessoas são honestas, não honram aquilo que prometem.
UM DESPRAZER: Ter convivido com a minha ex-cunhada durante os natais que eram impostos por ela e bancados por mim, tanto o Natal como todas as viagens pelo mundo. Não sou inimiga dela porque não sou hipócrita. Ela é que é minha inimiga porque não banco mais, sou famosa, forte, corajosa, e ela continua vivendo nas sombras.
UMA PARANOIA: Tenho TOC com arrumação — acabo de comer, já tiro os pratos da mesa; meu closet é todo em degradê. É a mania de organização, às vezes, insuportável — isso é coisa de gente louca.