O ano era 1975. Eu vinha da então longínqua Barra da Tijuca, onde tinha pegado boas ondas com minha prancha de surf. Cheio de fome, entrava em casa no Leblon e dava de cara com um sem-número de amigos do meu pai e de minha mãe, Fernando e Dalva, que estavam lá discutindo o futuro do Brasil. Dali a pouco, haveria mais um daqueles almoços intermináveis com pessoas que discutiam os problemas econômicos e políticos com o mesmo entusiasmo e prazer com que eu, nos meus 15 anos, deslizava as ondas tubulares do meio da Barra.
Ficava sempre um pouco culpado, admito; afinal, lá estavam aqueles senhores e senhoras, alguns de cabelos brancos, a tentar encontrar soluções para a volta da democracia, da melhoria da Saúde e Educação, do cerceamento da liberdade de expressão, da impagável dívida externa e outros, enquanto eu me divertia nas praias cariocas. Depois de um banho, sentava e os ouvia defendendo suas posições, enquanto comia empadinhas de queijo. Nessas conversas, eu percebia a importância que os livros tinham na vida de todas aquelas pessoas.
Citações de novos autores e de suas novas ideias eram feitas a todo momento e causavam grande excitação. Mais tarde, depois do almoço, eu iria encontrar minha mãe no escritório lá de casa, estudando para o curso de Sociologia, que resolvera fazer depois de criar os filhos, no meio de uma pilha de livros. E ouvia, já de madrugada, a ordem severa de meus pais para que minha irmã mais velha desligasse a lanterna que a ajudava a ler embaixo do lençol, pois, afinal, já passara da hora de dormir. Livros, livros e livros. Sempre me vi no meio deles e sobretudo entre os seus adoradores.
Abrir uma livraria com minha família alguns anos depois me pareceu ser uma coisa natural, ainda mais perto de casa, podendo encontrar os amigos de cada um de nós. Assim nasceu a Argumento e lá se vão 40 anos. Foi muito impressionante ver como uma pequena livraria (estávamos ainda no número 199 da Dias Ferreira, Leblon) podia provocar tanto rebuliço e encontros. Na noite de autógrafos do Celso Furtado, por exemplo, a fila ia até quase o Baixo Leblon.
Já no novo endereço, com um café no fundo e uma seção de música para vender, tivemos outros momentos inesquecíveis: a homenagem que fizemos ao Millôr com a Fernanda Montenegro lendo os deliciosos textos dele; as noites de autógrafos de autores, como José Mindlin, Caio Fernando de Abreu, Hélio Jaguaribe, Fernando Henrique Cardoso, Bárbara Heliodora, João Cabral de Melo Neto e tantos outros; o show especial da Adriana Calcanhoto para lançar a obra completa de Mário de Sá Carneiro, um assombro; o diálogo musical entre o Quinteto Mozart e a bateria da Mangueira como pano de fundo para o lançamento do livro do Jorge Sá Earp, uma grande novidade.
Receber o John Pizzarelli para um pocket show também foi uma maravilha, assim como servir de inspiração para o Manoel Carlos criar um personagem principal na novela Laços de Família, outra grata surpresa. Continuo a trabalhar em família, já que meus irmãos, Laura e Eduardo, dividem comigo essa tarefa. De lá pra cá, tenho observado o amor que os leitores dedicam a esse objeto tão singelo, e posso garantir: ele continua fortíssimo.
Apesar de toda a concorrência proporcionada pelas novas tecnologias, ainda é ao livro que as pessoas se agarram em busca de um prazer maior ou uma informação privilegiada. É nas livrarias físicas, cada vez mais pessoais e menos empresariais, que elas encontram seus pares para debater e trocar informações. O surf? Continuo, mas tendo sempre um livro a me acompanhar.
Marcus Gasparian é formado pela PUC-RJ em Direito e Administração, tricolor; mas, antes de tudo, um livreiro apaixonado.