Em linhas gerais, nossa cidade cresceu em função de centenas de aterros sobre o inóspito terreno original, dominado por estreitas faixas de areia, ladeadas por restingas fechadas, por lagoas, brejos, manguezais e das inexpugnáveis florestas de encosta. Pois bem, o que era justificável séculos atrás — em função do crescimento natural da cidade, da cultura puramente antropocentrista e da falta de conhecimento ambiental, nos últimos 50 anos — soa injustificável a destruição progressiva dos ecossistemas ainda existentes na cidade do Rio.
Não nos faltam leis, pesquisadores, universidades, organizações não governamentais, empresas, mídia diversificada, megaeventos com seus famigerados legados disso e daquilo, tampouco órgãos ambientais com corpo técnico habilitado a diagnosticar, gerenciar e recuperar os ecossistemas que sobraram dos últimos 500 anos de ocupação a qualquer custo. Portanto, pergunta-se: o que anda acontecendo com a continuidade da degradação sistemática de rios, florestas, lagoas, baías e tudo o mais que estiver pela frente?
O que justifica tamanha tragédia ambiental numa cidade que se vende como um suposto paraíso ambiental? O que tem faltado para virar esse jogo ecocida e suicida, visto que, sem esses ecossistemas que insistimos em degradar, não haverá vida viável de qualidade para ninguém, nem para os animais tidos como inferiores, nem para o filho pródigo superior ensandecido?
Em resumo, como ecólogo e interessado em História, entendo que vivemos a questão ambiental em pleno século XXI como uma colônia de exploração onde o objetivo final continua sendo tirar o máximo no menor prazo de tempo e com o menor esforço possível. Esse é o pano de fundo do circo de horrores ambiental. Por outro lado, derivada dessa cultura colonial desregrada, incivilizada ambientalmente, temos a falta de vontade política de fazer, o que é obrigação do poder público, pois consta nas pencas de leis que não servem para absolutamente nada, principalmente dependendo de quem seja o delinquente ambiental e de quanto a degradação renda financeiramente.
É muito claro que a tragédia ambiental não é gratuita não é uma fatalidade vinda dos céus, mas quase que exclusivamente produzida, gerada para o lucro de alguém ou de algum grupo. Disso, não tenho a menor dúvida; por trás de cada processo de degradação, há alguém faturando. Finalmente, temos a recorrente passividade verde e amarela, resiliência patológica, a qual eu reiteradamente faço menção, pois é, através desse aceitar o inaceitável, que a sociedade sinaliza aos gestores eleitos pelas urnas eletrônicas que a questão ambiental não é prioridade e que os recursos naturais podem continuar a ser exterminados sem preocupação alguma dos atuais e futuros administradores públicos eleitos nos periódicos pleitos eleitorais.
Enquanto, em outros lugares deste pequeno planeta perdido num dos braços dessa galáxia, o movimento verde se fortalece, por aqui, o assunto é tratado quase que exclusivamente sob o ultrapassado “viés” ideológico do século passado, do eu contra eles, sem se dar conta da miopia intencional desse tipo de abordagem, que só interessa aos grupos econômicos que se beneficiam da degradação e dos grupos políticos que se locupletam dos primeiros. Nessa polêmica, só cai quem não percebe que estamos no século XXI ou quem faltou às aulas de História e Ecologia.
Enfim, enquanto Paraty e a Ilha Grande são reconhecidos como patrimônios histórico-ambientais da humanidade, por aqui, na tal Cidade Maravilhosa, acompanho, há três dias, a agonia e morte de centenas de peixes na lagoa da Tijuca, bem como o odor de morte que emana das águas pútridas daquela lagoa. Provavelmente, será mais uma das tantas mortandades da qual ninguém será culpado, e a responsabilidade recairá sobre a principal e única vítima, a Natureza — fato recorrente nesta cidade.
Apenas alerto, pela enésima vez, que as leis da Natureza são claras e que, para toda ação, haverá uma reação, que, no caso dessa vítima, poderá ser desproporcional ao conjunto de agressões a que ela tem se sujeitado. Que cada um escolha seu lado! Eu já escolhi o meu faz tempo. Confesso haver horas em que desejo “chutar o balde” e curtir a vida como uma pessoa “normal”.
Foto: projeto “Olho Verde”, de Mario Moscatelli