A conversa girava em torno da perplexidade de uma questão: por que filhos de presidentes estão sob suspeita de enriquecimento ilícito, usando a sombra de seus pais? Os exemplos vêm de longa data; cito três recentes: filho do Lula, filha do Temer, filho do Bolsonaro. Até que a indagação do grupo se volta — de forma ansiosa — para o psicanalista, em busca de alguma resposta. Volta-se justamente para quem não tem nenhuma resposta, mas apenas a experiência de pensar sobre elas.
O trabalho do psicanalista tenta compreender os sustentáculos mais profundos e as diversas intensidades com que os problemas psíquicos se apresentam. No entanto, a singularidade de cada indivíduo impede que tenhamos certeza das teorias desenvolvidas, levando-nos à busca de uma constante renovação.
A psicanálise é uma arte que se desenvolve sempre compartilhando a verdade naquilo que ela se revela como possível aos indivíduos e, ao fazê-lo, promove o desenvolvimento psíquico, enfatizando o direito à existência digna na construção da subjetividade.
Por existência digna, quero significar o respeito à singularidade das pessoas. Elas certamente não são e nunca serão iguais, e qualquer ideologia que prega unanimidade é simplesmente desastrosa, pois é expressão da destrutividade do desenvolvimento mental pela violência do narcisismo.
No entanto, como detectar o narcisismo destrutivo quando esse age no campo da política? Como diferenciá-lo, por exemplo, do espectro da vaidade ou da exacerbada ambição de objetivos? Posso afirmar que tantas e tantas vezes na História foi muito tarde quando conseguimos perceber a destruição em curso.
Um dos fenômenos que, através de minha experiência, consigo destacar é a arrogância dos personagens, sobretudo, quando ela vem associada a estupidez e curiosidade mórbida. Uma personalidade que se deixa arrastar por essas três características está vulnerável a ficar, cada vez mais, com seu caráter comprometido com a falência ética.
Uma das maiores dificuldades é que a arrogância faz negar qualquer problema em si próprio. O arrogante é onisciente e perfeito, e seus seguidores — que podem até cometer crimes usando a sombra de seu exemplo — também assim se consideram.
Diante desse quadro, as alternativas se reduzem. A encruzilhada situa-se entre ser ingênuo e aceitar os desmandos arrogantes, ou ir contra – não por simples ideologia —, mas por se tratar de uma violação degradante da ética humana.
A lista de coisas inaceitáveis em nosso país, e pelo andar atual da História, na maioria do mundo em que vivemos, seja ele primeiro ou quinto mundo, parece nos colocar contra a parede de forma constrangedora.
Foi no mínimo nauseante e bizarro escutar no rádio, enquanto me dirigia ao consultório, um comentarista com o tom de voz falsamente indignado, daqueles que têm absoluta certeza do que dizem, afirmar que dois ex-presidentes, Lula e Temer, foram condenados sem prova. Para todo mundo que escutou essa fala, ali se dizia que a Justiça brasileira é fascista e, portanto, inconsequente. O comentarista onisciente, porém, não deve se dar conta disso. E não se dará conta enquanto a ingenuidade de quem o escuta não reage para alertá-lo da destruição arrogante que está causando.
Um simples exemplo, mas fica aberto o debate.