No início do século XX, Louis e Annie la Saigne partiam rumo ao Brasil, com a missão de fechar a filial brasileira da empresa, com sede em Paris, a Mestre & Blatgé, especializada no comércio de máquinas e equipamentos. O casal de franceses eram meus bisavós, e minha avó Jacqueline, de quem eu herdei o nome, nasceu inesperadamente, no meio da viagem, na Argentina. Para minha sorte, Louis e Annie se apaixonaram pelo Rio e, em vez de concluir a tarefa de finalizar o empreendimento, decidiram fincar os pés na Cidade Maravilhosa, onde, anos depois, eu nasceria.
Henrique, meu avô por parte de pai, era um dos dezesseis filhos de um casal de comerciantes, donos da maior fabrica de papel de cigarros do Oriente, a “Papier cigarette de Botton”. Meyer e Esther de Botton, seus pais e meus bisavós, residiam em Salonica, donos dos cavalos do Sultão; perderam tudo durante a revolução liderada por Kemal Atatürk. Judeus Sefaradis, cuja origem vem da Península Ibérica, cada um dos dezesseis irmãos partiu, depois da revolução, para um lugar diferente no mundo. Minha avó por parte de mãe nasceu em Ponte Nova, Minas Gerais (sabe a melhor goiabada do Brasil? Vem da minha família); sua mãe morreu no parto e, quando seu pai se casou de novo, ela foi mandada para um internato, de onde saiu para se casar.
Nós crescemos – inevitavelmente – com um forte apego a um plano A, isto é, uma ideia de como nossas vidas vão ser e o que precisamos fazer para alcançar nossas metas; então, de certa forma, para todos nós, a vida acaba fazendo outros planos. Talvez seja impossível eu ficar com alguém em quem investi muito; talvez tenha que mudar de cidade; uma lesão nos tira da final tão desejada; a promoção vai para sua colega; descobrimos uma infidelidade ou cometemos um erro pequeno que muda tudo sobre nossa vida amorosa; e como os outros nos veem. Quem poderia ter predito que o animado e esperançoso francês, ou a moça de Ponte Nova acabariam em uma situação tão inesperada? E geralmente choramos e nos enfurecemos com a virada dos eventos. É exatamente quando esses momentos acontecem, que devemos considerar uma de nossas habilidades mais vitais: desenvolver um plano B.
Acho que o primeiro ponto envolve reconhecermos que nenhuma mudança de planos significa algum tipo de maldição. O segundo é perceber que somos, apesar de momentos de confusão, capazes de desenvolver planos muito decentes: plano A, plano B, plano Z e por aí vai. Eu me dei conta, exatamente passando por momentos assim, de que uma das razões pelas quais muitas vezes não confiamos que podemos mudar é porque, na infância, que é de onde todos viemos e continuamos a ser influenciados de maneiras difíceis de reconhecer, quando os planos davam errado, não podíamos fazer muito em resposta: precisávamos ficar na mesma escola, nossos pais não se divorciavam, não mudávamos de país ou de carreira.
Sem dúvida, porém, os melhores aspectos de sermos adultos – e preciso constantemente me relembrar disso – são o conforto, a liberdade e a capacidade de agir e nos adaptarmos a novas realidades e a novos planos. Nós nos sentimos desesperados até redescobrirmos nosso músculo latente, aquele que exercitamos em face do desastre, quando temos que navegar com novos mapas. Eu, antes de fundar a The School of Life, aqui no Brasil, passei por um momento de ter que mudar do Plano A para quase o Z – o que tinha planejado como negócio para a minha vida, literalmente, foi para o lixo. Tive que começar do zero e, hoje, o que era Plano Z se tornou o Plano A, mas com diversas opções, sempre em mente, de Bs, Cs e Ds.
Eu acredito que não existe um roteiro escrito para nós em nosso nascimento, que nos leva a qualquer direção. Em meio a todas as minhas diversas mudanças de planos, encontrei algumas pessoas que me disseram, muito sinceramente, que seu plano B acabou; no final, superior ao seu plano A. Eles trabalharam mais duro, tiveram que cavar mais fundo e carregam menos vaidade e medo dentro de si. Não precisamos saber agora o que nosso plano será, mas toda vez que eu sou desafiada, como neste momento, a desenhar um novo plano, penso nos meus antepassados e em como foram as suas mudanças, que, de certa forma, me trouxeram até aqui! E isso me dá a medida da confiança para seguir em frente.
Jackie de Botton é carioca, vivendo atualmente em São Paulo, à frente da filial brasileira da The School of Life (organização global que desenvolve inteligência emocional utilizando as boas ideias escritas na filosofia e na cultura para nos estimular a viver melhor).