A vida real traz possibilidades ilimitadas para a arte, como mostra a atriz Maria Eduarda de Carvalho: “Senti a dor de perder minha única irmã e vivi a alegria de ver minha filha nascer no intervalo de um mês”, diz ela, que decidiu escrever uma peça dedicada às duas para exorcizar o trauma – à época, ela estava com 28 anos, e a irmã, Maria Antonia, 26 (morreu de câncer de colo de útero).
De forma “lúdica e bem-humorada”, o espetáculo infantil “Atrás do mundo”, dirigido por Cristina Flores, conta a história de Didia, interpretada pela atriz e autora, uma menina de 7 anos que acaba de perder a irmã, sua grande amiga. “A ideia veio justamente da necessidade de explicar à Luiza, minha filha, sobre a morte da tia dela”, comenta Maria Eduarda, que, para pôr seu plano em prática, recorreu a um financiamento coletivo e contou com a ajuda da filha para escrever os diálogos. A temporada vai até dia 28 de abril, no Teatro XP Investimentos, no Jockey.
Fala da morte da sua irmã!
Éramos muito ligadas. Foi bem difícil, mas a possibilidade de escrever e encenar um espetáculo que fala sobre o tema ressignificou minha perda e transformou minha relação com minha irmã de uma forma muito positiva. Nosso País vêm tratando a arte como um supérfluo, mas minha experiência pode comprovar que a arte é uma poderosa ferramenta de transformação pessoal e social.
Como você administrou a morte seguida do nascimento da sua filha?
Não sei explicar. Há determinados eventos trágicos na vida que supomos jamais ser capazes de administrar, mas, se por ventura, eles se dão diante de nós, a vida se impõe, e seguimos sem muita explicação. Não foi nada fácil administrar a perda e encarar as fragilidades e inseguranças de ser mãe pela primeira vez, ao mesmo tempo. Mas a poesia venceu a dor. Sinto-me muito orgulhosa por ter eternizado o encontro entre tia e sobrinha “Atrás do Mundo”, através da arte.
Existe uma maneira mais amena de viver o luto?
Certamente. Ressignificá-lo é imprescindível, e o espetáculo fala justamente sobre a possibilidade de transformar nosso olhar sobre as perdas da vida, de forma lúdica e até bem-humorada.
Como levar isso de maneira leve para o teatro?
As pessoas precisam assistir a “Atrás do Mundo” para entender! Em nossa primeira temporada, o espetáculo fez muito sucesso entre crianças e adultos. Acredito que o teatro infantil de boa qualidade é enriquecedor para qualquer idade.
E como você explicou à Luiza sobre a tia? Mostrou fotos, contou histórias?Geralmente, os pais falam em virar estrelinha, estar no céu, essas coisas… Como sua filha a ajudou na peça?
Foi justamente o processo de explicar a morte para uma criança que me levou a começar a escrever a peça. Às vezes subestimamos a capacidade deles de compreender temas mais densos, mas a verdade é que a interlocução com minha filha levou o texto para lugares superiormente interessantes; por isso, Luiza assina como coautora. E Luluba continua colaborando ativamente com o espetáculo: ela assiste os ensaios, corrige as falas, critica nossas atuações!
Por que você recorreu ao financiamento coletivo?
Fazer teatro no Brasil está virando uma espécie de sacerdócio. É muito complicado tentar transmitir a importância da arte e da cultura na formação de um indivíduo, em uma sociedade em que 52 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza. Por outro lado, acho que a arte, assim como a educação, são ferramentas poderosas de transformação dessa realidade brutal. Se for um governo vorazmente corrupto, não interessa construir uma sociedade pensante, crítica e articulada; então, o que presenciamos é um verdadeiro aniquilamento da educação e da cultura no Brasil. Ainda assim, insisto e acredito que vale a pena recorrer a todos os meios para que os refletores se acendam, iluminando a fantasia e nos dando a possibilidade de rever a dura realidade cotidiana, com olhos de encantamento e poesia.
Foto: Rodrigo Albuquerque