A psicanálise entrou na minha vida através de um caso muito especial; foi minha segunda formação. Eu estava casada, mãe de dois filhos pequenos e passava por um luto muito grande pela perda de um irmão muito querido, o Márcio, em 1996. Eu precisava fazer alguma mudança na minha vida, algo que resgatasse meu sentimento de “yes, you can”, abalada pela impotência que a morte de alguém amado lhe aponta. Sempre me achei muito confiante, ousada, raramente um desafio me intimidava. Eu era corajosa e, por vezes, até inconsequente, mas, naquele momento, pessoas, religião, nada era capaz de me restituir a glória. A tristeza só crescia.
Não considero que estivesse deprimida, mas, sabe-se lá por que, entrei para a faculdade de Psicologia, talvez, inconscientemente, buscando respostas. Aprendi Gestalt Terapia, TCC (Terapia Cognitiva Comportamental), Neorolinguística, Terapia Junguiana e Psicanálise. Quando entrei para o SPA (Serviço de Psicologia Aplicada, onde os alunos fazem seus primeiros atendimentos) da faculdade, tinha à minha disposição toda essa salada de conhecimentos. Claro que, com a orientação de um professor experiente, eu já havia escolhido a psicanálise – também já fazia análise com uma psicanalista, mas, romanticamente, acreditava que poderia ter sucesso se utilizasse o melhor de cada uma das técnicas para ajudar os pacientes, dependendo do que se apresentasse como sintoma, bem do tipo “Organizações Tabajara”.
Meu primeiro paciente era um homem de seus 30 e poucos anos. Havia sido um comerciante bem-sucedido, casado com a mulher dos seus sonhos e tinha um cachorro. Vida perfeita até ser acometido repentinamente por uma devastadora crise por medo de altura, que o impedia de subir em lugares que tivessem mais do que o correspondente a quatro andares de um prédio. Com isso, a vida social começou a se restringir; paralelamente, o casamento acabou numa traição de sua mulher com um amigo, e seu comércio faliu. Desvalido, volta a morar com os pais e a ser sustentado por um irmão.
Começo a dar tarefas para meu paciente aos moldes da TCC, com suas devidas retificações subjetivas, perguntando: “O que você sente quando chega lá em cima?”. E obtendo sempre as mesmas respostas, “eu tenho medo”, “medo de que exatamente?” “do prédio cair, da estrutura do prédio ruir”. Ele até realizava algumas tarefas, mas a fobia estava lá. Havia algo em mim que desejava que ele resolvesse logo o problema; era novamente aquele sentimento de “yes, you can” retornando em mim, mas que não estava ajudando o meu paciente, que continuava paralisado no mesmo estágio.
Foi quando dei a vez exclusivamente para a psicanálise, utilizando a técnica pura de Freud, decantada, sem misturas. Passei a ouvir meu paciente em vez de desejar por ele ou por mim. Saí de cena, deixei que só ele protagonizasse. A partir de então, pude escutar, de outra forma, uma outra resposta daquela mesma pergunta: “do que você tem medo?”, “da estrutura ruir”…. “que estrutura?”, perguntei sem grandes pretensões de obter outra resposta que não fosse “a do prédio”.
Foi quando fui surpreendida pela fala inconsciente do paciente, que me diz: “A minha, né?” A partir desse instante, entendi que meu paciente me disse “sim… é por aí o tratamento”. No decorrer da terapia, esse paciente conseguiu um emprego no 4º andar de uma grande empresa e, em meses, ganhou uma promoção, indo trabalhar no 9º andar. Fez um percurso lindo em sua análise, que acompanhei até me formar e sair do SPA. Claro que existem muitos outros detalhes sobre esse caso, mas não daria para contar tudo aqui. Foi assim que decidi definitivamente pela psicanálise.
Luciana Torres (Tati) é mestre em psicanálise pela UERJ, pós-graduada em psicologia pela PUC Rio e psicanalista em clínica, no Leblon. Está participando do projeto “Interlocuções, Psicanálise e Literatura”, na Cidade das Artes, todas as sextas-feira, até 5 de abril.