“É dura a vida da bailarina?” Que o diga Claudia Mota, primeira-bailarina do Theatro Municipal carioca há mais de 10 anos – só de casa, tem 22 (mas não conta a idade nem morta) -, que, além de rodopiar no palco mais famoso do País, vai assumir mais uma vez a comissão de frente e o primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira da Império Serrano, no dia 3 de março, a primeira escola a desfilar no Sambódromo, com o enredo “O que é, o que é?”, de Gonzaguinha.
Em 2016, na mesma escola, Claudia ganhou nota máxima dos jurados e foi vencedora de vários prêmios, com um trabalho inesquecível no enredo “Silas Canta Serrinha”. “Carnaval é uma arte e dá uma visibilidade incrível, apesar de momentânea. Se o trabalho é bem feito, as pessoas vão se lembrar para sempre”, diz ela. Mas não é de hoje esse casamento das sapatilhas com o samba no pé – desde criança, criada entre Madureira, Olaria e Penha, ela frequentava as quadras da Império Serrano e Imperatriz Leopoldinense, mas foi em 2005 que recebeu o convite para ser assistente de coreografia da Tradição, e nunca mais parou.
O que é ser a primeira-bailarina do Municipal?
A gente vive num mundo tão superficial, e as pessoas acham que as bailarinas são intocáveis; as primeiras-bailarinas então… A minha carreira foi muito natural. Comecei na escola oficial do Theatro (Escola Estadual de Dança Maria Olenewa) desde pequena e estou acostumada. Aquele palco é parte da minha vida e até chegar ao posto, já tinha passado por tudo – comecei a fazer estágio com 14 anos no corpo de baile. E sempre quis uma carreira no Brasil, porque não consigo ficar longe da minha família. Comi muito breu (aquele pó da sapatilha para não escorregar) até chegar aqui.
Como começou a história com o samba?
Minha família sempre foi ligada ao carnaval. Nasci em Ramos e frequentávamos as quadras. E quando não trabalhava envolvida com a folia, sempre assistia aos desfiles, levava isopor… Sou a primeira-bailarina, mas sou carioca, gosto de ser um pessoa normal, não tenho frescuras. Quando os coreógrafos começaram a fazer muita coisa para o carnaval, as próprias escolas começaram a procurar esses profissionais até chegarem aos bailarinos clássicos e a mim. Foi bem natural, eu trabalho para o carnaval desde 2005. Mas, em 2012, assumi a minha própria comissão de frente na São Clemente. Aí, depois, fiz a Estácio de Sá, Império Serrano, Imperatriz Leopoldinense e agora voltei para a Império.
O samba no pé de bailarina é diferente?
Do erudito ao popular, é um pulo (risos). Quando eu era criança, ganhei até um concurso de passista-mirim, acho que na Portela, e passei a gostar mais ainda. Lembro-me das meninas da comunidade me olhando e deviam pensar ‘que coisa esquisita aquela magrela e branquela sambando’. Pedi tanto a Deus para trabalhar com carnaval, que ele me atendeu. Não me dei por satisfeita com comissão de frente e peguei o casal de mestre-sala e porta-bandeira para trabalha; é o meu quinto ano com eles. E é mais minucioso porque comissão a gente coloca bailarinos, atores, coreográficos, pessoas que já sabem alguma coisa; o casal, não, tenho que ensinar. Coloquei Diogo Jesus e Verônica Lima pra fazer aula de balé, eles estão amando e o resultado é incrível. E o que é a porta-bandeira desfilar com aquela roupa? Isso eu não faria nunca, e a Verônica acabou de ter filho em novembro. Ela está fazendo um condicionamento físico pesado.
Quando começou, te olhavam torto na comunidade?
Tinha uma certa descrença, “o que esse povo do balezinho está fazendo aqui?”, mas quando eles viram que a coisa começou a melhorar, levar leveza para a dança, agora somos muito respeitados. Então é um sistema de muita dedicação. Não fazemos só pra ganhar dinheiro, mas pelo retorno, satisfação. A gente aprende muito com os enredos, com a história, e isso faz parte da cultura.
O que tem a ver o balé com o samba?
São duas artes completamente diferentes, mas a paixão é igual. As pessoas trabalham no barracão por amor, em primeiro lugar, depois vem a parte financeira. Quando aquele portão da Sapucaí abre e você vê o arco lá longe, a sirene no ouvido e o samba tocando, não tem descrição, e você vai arrepiada até o fim. No balé, aprendi a controlar a minha emoção. No carnaval, só temos um dia para dar certo.
O público vai pirar, vai ter mudança de roupa, efeitos especiais?
Vai ter uma transformação para uma outra coisa que nunca houve no carnaval. Gosto de fazer trabalhos que emocionam. Esse grupo de comissão está comigo há cinco anos e começamos a ensaiar em julho, agosto, intensificando em novembro. Vamos falar sobre a vida como um todo. E já que estamos passando por tanta coisa ruim, de falta de esperança, incredulidade, resolvi transformar uma coisa difícil numa esperança. É você olhar um situação e dizer: ‘não quero isso pra mim, mas conseguir ter a esperança de um futuro melhor’. Essa é a nossa mensagem.
E quais foram as dificuldades pela falta de repasse da Prefeitura?
Estamos fazendo o verdadeiro carnaval, colocando nossa alma, fé, criatividade porque está difícil pra todo mundo. As pessoas assistem e acham que tudo é muito rico, mas o dinheiro de patrocinador e da Prefeitura é investimento que volta para a cidade, triplicado. Se acabar com o carnaval, o Rio acaba. Já temos uma cidade ameaçada pela falta de segurança e, mesmo assim, os turistas continuam vindo. Sou carioca e não consigo ficar longe daqui; imagina um turista que vem e quer voltar? E temos que respeitar os profissionais que trabalham meses inteiros varando noites, muitos de comunidade que trabalham por amor, colocando o coração em cada purpurina. O prefeito precisa priorizar o estado, e não uma religião, porque tem muito evangélico que gosta de carnaval. A gente passa por uma crise tão avassaladora, pessoas sem dinheiro, perdendo emprego, e essa festa é o único momento em que o brasileiro extravasa e dá retorno para o estado.
Existe uma desvalorização da cultura no Brasil?
O Brasil não leva a sério o balé. Hoje eu tenho uma carreira sólida porque foi construída com muito esforço, apoio da família e numa época que a gente não tinha passado por essa crise do estado. A crise em 2017 Afetou a todos nós – coro, administrativo, orquestra, bailarinos etc. As pessoas estão ali pela arte. Eu pude manter meu cargo porque trabalho dando workshop, fazendo Galas Internacionais, isso me ajuda a ter uma verba, mas depois de um ano sem receber a caixinha zerou. Nunca abandonei o Municipal porque ele que me deu tudo e não posso dar as costas, mas teve gente que teve que ir embora. Acredito que vamos voltar com tudo já neste mês, com essa mudança de governo, um novo planejamento já deve ter sido feito.
Foto: Carol Lancelloti