Irmãos, pela própria contradição da existência, são nascidos da mesma fonte, mas possuem quadro genético diferente. Com irmãos, aprendemos, desde cedo, a disputar o que mais importa: afeto e recursos. Assombra-nos a sua presença, a prova que temos de viver para dividir, que não somos únicos e que temos que abrir a cotoveladas um espaço, mínimo que seja. E, assim, qualquer história que se vá contar, seja em romance, novela, teatro, só pode ser uma: aquela que conhecemos, aquela que vivemos – a nossa própria história. “Irmãozinho querido”, com texto e direção de Flávio Marinho, vai como um fole, abrindo e fechando essas questões.
Os diálogos guardam o humor inteligente que é a marca de Flávio Marinho, autor de sucessos, como “Abalou Bangu”, “Salve a Amizade”, “Cauby! Cauby!”, com frases rápidas, estrutura ágil total. O trio de atores, que trabalham de forma totalmente uníssona, é formado por Alice Borges (Muniz, a diretora), Leonardo Franco (Leo, o ator) e Marcos Breda (o irmão/personagem). Eles conseguem viver a história, cujos pontos de conflito podem crescer com as brigas dos irmãos, as dificuldades de Muniz, a trapalhada com os filhos, que se resolvem de imediato, sem cair no humor rasgado e muito menos apelar para o drama pungente.
Os três atores têm uma qualidade cada vez mais rara de se ver nos palcos: a emissão correta e clara das palavras. Não se perde uma sílaba, não há respiração sobressaindo, pausas desnecessárias nem atropelos. A versatilidade de Alice, Leonardo e Marcos, ao mesmo tempo movimentando-se de forma aberta e franca, sob a iluminação de Paulo Cesar Medeiros (que, com o jogo de focos, mostra como o fato aconteceu, ou como é imaginado), acaba por funcionar como elemento importante de significação.
Não é um jogo de faz de conta apesar de a narrativa ser algo com o “era uma vez”. Não é uma rivalidade absoluta, pois um é artista e o outro, empresário. Não é uma disputa sobre quem é o melhor irmão; é uma história cotidiana, banal até. O que faz “Irmãozinho querido” ser um lindo conto sobre a construção do afeto, as dificuldades desencontradas, é a capacidade de Flávio Marinho de nos contar algo que precisamos ouvir e reviver, com um final deslumbrante. E mais, não conto.
Serviço:
Solar de Botafogo
Sextas a Domingos às 20 horas
Créditos: Beti Niemeyer