Se você tem alguma curiosidade sobre a vida de um ministro da Fazenda, mais ainda em um país como o nosso, o livro “O pior emprego do mundo” certamente pode merecer o seu apreço. O jornalista Thomas Traumann, de 51 anos, ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social de Dilma Rousseff, atualmente consultor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), dedicou muito tempo da sua vida a pesquisar 14 ex-ministros que ocuparam esse posto. Thomas entrevistou de Delfim Netto (influente desde a ditadura militar, sem nunca deixar de ter sido) a Zélia Cardoso de Mello, mostrando os bastidores, o que pensam e suas experiências. Esse lançamento pode estar sendo num dos momentos mais adequados, com o economista Paulo Guedes assumindo posição “privilegiada”, no Governo Jair Bolsonaro, a ocupar um superministério, unificando Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio. Nessa entrevista, Traumann opina sobre o quadro atual, baseado em tudo que sabe.
Por que o cargo de ministro da Fazenda é “O pior emprego do mundo”?
Todos os entrevistados concordaram comigo. Primeiro ponto: eles têm todas as responsabilidades nas costas, que hoje é o desemprego, mas ontem foi inflação e amanhã pode ser qualquer coisa. Sempre existe uma emergência iminente. O Brasil é o pronto-socorro da economia. E o ministro da Fazenda está sempre cuidando do problema. Ele está sempre com uma grande responsabilidade, um desafio, que, neste próximo governo, será a questão do desemprego e a questão fiscal. Segundo ponto: junto com o cargo, vem o poder porque ele acaba tendo que ter uma série de instrumentos junto dele, como a Receita Federal, cuidar dos impostos, de como o dinheiro é gasto, ou seja, significa que tem muita pressão – todos os lados o solicitam muito. A cada semana, ele tem que dar resultados; do contrário, pode ser demitido. A inflação subiu? É culpa do ministro. A geração de postos de trabalho, o crescimento da economia, o peso dos impostos e outro punhado de indicadores do bem-estar econômico funcionam como uma espada sobre a cabeça do ministro.
Quais os desafios de Paulo Guedes?
O ministro é quase um primeiro-ministro, mais poderoso do que os outros. Esse excesso de autoridade é o que torna essa relação tão complexa quanto interessante. Ele pode ser mais infeliz do que os anteriores porque está montando um superministério, e isso é muito poder. Outra coisa é que ele tem um presidente que diz ‘não entendo nada de economia’. Então, o sujeito vai ter uma autonomia muito grande, o que é bacana por um lado, mas, se der errado, quem vai quebrar a cara vai ser o Paulo. Ele é quem está no centro da manutenção do equilíbrio de forças entre o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto e é um dos primeiros a ser postos em xeque quando as coisas dão errado.
O que acha da junção de ministérios?
Acho que é poder demais para uma pessoa só. A gente tem duas experiências assim, uma do governo João Figueiredo (1979 a 1985, último presidente do período da ditadura militar) e outra, do Fernando Collor, que deram errado. O fato de ter menos ministérios não significa necessariamente que é bom, mas ok, já está feito, veremos o que vai acontecer. Minha questão é que metade da agenda do Paulo tem que passar pelo Congresso, e ele não é um sujeito conhecido pelo seu tato. Você viu a entrevista dele logo depois da vitória? Então vai ter que aprender como tratar deputados, senadores, como negociar, e isso tem que ser bem rápido.
Qual foi o ministro que deu mais certo e o mais errado?
O que deu mais certo foi o Fernando Henrique Cardoso porque ele conseguiu montar um plano que deu certo, uma equipe muito boa. A pior, que é consensual, foi a Zélia Cardoso de Mello, que assumiu uma situação de inflação a 80%, fez um plano econômico em que as pessoas ficaram sem dinheiro. Fui a Nova York entrevistá-la, e foi na boa. Zélia não tem problemas em falar dos seus erros, porém costuma dizer que o erro não foi só dela – mas isso a marcou. Todo mundo conseguiu reconstruir a vida de um jeito ou de outro, até o próprio Collor, menos ela.
Quais as primeiras medidas do novo ministro da Fazenda, no seu ponto de vista?
É saber até onde ele pode ir, porque 90% dos problemas com ministros é bater de frente com os presidentes. No fundo, é isso; ele não sabe até onde pode ir, o presidente veta, outros ministros vetam, e ele acaba perdendo o chão. Só de não ter ruídos entre ministro e presidente, dá pra resolver muitos problemas.
Sobre o presidente, acredita que ele vá assumir um tom ditatorial?
A politica é muito imprevisível. Há algum tempo, nunca ninguém imaginou a candidatura de Bolsonaro. Ele venceu e vai ter uma maioria na Câmara, fator para ele conseguir aprovar uma série de medidas sem dificuldades. E ele defende muitas ideias conservadoras e de repressão na segurança pública; são ideias que têm ampla maioria nessa Câmara. Pra mim, o governo vai ser de uma mudança muito grande, como quando o Lula entrou. O Brasil vai ter uma cara diferente.
Mas o senhor acredita que as pessoas que fizeram oposição devem temer?
Não sei se é medo do governo ou do policial de esquina. Não sei se vai mudar alguma lei de fato, mas várias pessoa que são homofóbicas, misóginas, racistas, de alguma forma, estão se sentindo empoderadas com o discurso.
E o Sérgio Moro como ministro?
Como marketing, foi excelente. O Bolsonaro atendeu às expectativas de parte preponderante dos seus eleitores, que considera o combate à corrupção a maior prioridade do governo; mas, como tudo, há um risco. Se Moro levar adiante sua agenda e investigar congressistas, qual será a reação? Como ele pretende aprovar uma legislação mais dura contra corrupção em um Congresso com tantos parlamentares investigados?