Francisco Buarque de Freitas, 21 anos, nasceu musical e carioca, mas viveu a infância em Salvador. Desde moleque, o filho de Helena Buarque de Hollanda e Carlinhos Brown já apurava os dons musicais no batuque das ruas soteropolitanas – em vez de andar uma bicicleta ou brincar de carrinho, o negócio na Bahia era tocar percussão, panela pela cozinha ou em qualquer superfície sonora. Aos 11 anos, ele se mudou pro Rio, sempre cercado de artistas por todos os lados: filho de Carlinhos Brown, neto de Chico Buarque e Marieta Severo; sobrinho de Miucha, sobrinho de Silvia Buarque, primo de Bebel Gilberto e assim segue sem poder fugir à regra familiar. Chegou à maioridade e se descobriu Chico Brown. Vai lançar seu primeiro álbum brevemente, ainda sem nome e, segundo ele, 90% autoral, com alguma parceria surpresa.
Chico, que estuda Produção Fonográfica na faculdade Estácio, começou na música de verdade como todo garoto que curte um som, reunindo os amigos do colégio e da vida para formar uma banda (Ivo Costa, Luigi Tedesco, Vitor Nogueira, Joca, Tomás e participação em outras bandas de amigos dos amigos etc.) e juntos, eles tocavam de tudo: o suingue da Bahia, passando pela Tropicália, paquerando o rock, acústico, misturando o frevo com guitarra baiana, samba, valsa, jazz, black music…. Mais tarde, dessa caldeirada de estilos, nasceu “Massarandupió”, valsa composta por ele com letra do avô no ano passado e que entrou no álbum “Caravanas”, assim como na turnê. Olha o que disse Chico Buarque: “Multi-instrumentista, autodidata, e com ouvido absoluto, Chiquinho é o melhor músico da família” (à Folha de SP por escrito). Já o pai prefere a palavra “virtuoso”. É aquele que quem olha de fora percebe uma doçura, mas com firmeza; uma segurança, mas com curiosidade; uma serenidade, mas com inquietude. Quem olha de dentro, diz ainda que Chico Brown é tão talentoso quanto afetuoso. Com tantas credenciais, é bom ficar de olho no garoto. Leia sua entrevista:
Desde os 11 anos você mora no Rio, já se sente um carioca?
Na verdade, eu sou carioca porque nasci aqui, mas me sinto um baiano de coração, com um pé lá e um pé cá. Já tenho bastante vivência aqui no Rio, meu sotaque é um pouco misturado, como eu digo numa música minha ‘lá dizem que eu sou daqui, e aqui dizem que eu sou de lá’, mas eu já me sinto um carioca porque sei lidar com a malandragem da cidade, sei da alegria e da dor de morar no Rio, mesmo assim é difícil essa transição entre Rio e Bahia. Sentia-me mais carioca quando morava em Salvador, até falava com mais sotaque. E existe uma aceitação mais fácil do carioca pelo Brasil do que o baiano porque tem o ‘lance’ de o carioca ser o sotaque da Rede Globo etc., mas isso está mudando com ‘Segundo Sol’ (de João Emanuel Carneiro). A novela reproduz o sotaque baiano mais fielmente e um pouco menos caricato do que é como a gente tem visto de um tempo pra cá. Na verdade, eu não assisto, mas é o que me dizem.
Como foi essa transição da Bahia pra cá?
Foi difícil porque a galera da Bahia é mais relax. Por exemplo: vivi uma fase ‘futeboleira’ em Salvador (como sabido, o avô é apaixonado por futebol e é fundador do time Politeama), porque tive mais tempo pra crescer junto com a galera, fazer amizades na escolinha de futsal e, mesmo sendo um perna de pau, eles me ajudavam e relevavam. Na hora de ‘bater uma baba’, como eles dizem por lá, eu podia contar mais com a paciência dos meus amigos. No Rio, o clima é mais competitivo. Durante muito tempo, na escola, eu era o ‘baiano’ – aliás, todos os meus amigos que vieram até antes de mim tinham o mesmo apelido. E, mesmo se tivesse o mínimo resquício de sotaque, a pessoa virava ‘o baiano’, muitas vezes usado pejorativamente. Eu fazia alguma besteira, e alguém dizia: ‘porra baiano!’; e quando fazia algo bom, usavam os termos ‘baianidade’, ‘aquele suingue’ que a gente sabe que só encontra nas terras de lá’. Esse negócio de baiano aqui sempre foi associado à leseira, preguiça, o que não é verdade, inclusive porque, aqui no Rio, a gente tem o lance da ‘cariocagem’, que não implica só a malandragem.
O primeiro álbum sai ou não sai?
Meu disco está com o repertório mais que pronto, ainda com eventuais aprimoramentos e mutações no sentido de arranjos, letras etc. Estamos negociando algumas propostas com editoras, gravadoras, pessoas interessadas no trabalho de modo geral. Muitas propostas começam boas e vão ficando piores, e eu estou cogitando a alternativa de fazer música independente, não necessariamente nesse primeiro álbum, mas em longo prazo. Faz mais sentido hoje em dia porque o modelo de gravadora já está ficando um negócio obsoleto, e a diferença que elas fazem no processo de gravação é cada vez menor com o avanço das tecnologias, dos estudos e das produções digitais. Meus amigos mais bem-sucedidos trabalham com música independente. Nesse primeiro álbum, vamos ver como é que vai ser: só espero que saia logo. Em termos de composição, é 90% autoral, existem parcerias que gostaria muito de incluir e que têm tudo pra acontecer.
Como aconteceu a criação da sua banda e como é ter, com tantas influências, uma pegada original?
A criação da minha banda foi uma coisa muito espontânea O repertório foi algo que eu já venho fazendo sozinho direcionado para voz e violão, mas que foi se tornando cada vez mais compatível com outros elementos. Dois ‘amigaços’, Ivo e Luigi, que já tinham tocado comigo em muitos outros projetos, chegaram junto na ideia de fazer um trabalho autoral. Além de outros amigos de um coletivo, que fazem gravações de MPB, rap etc., e outros que entraram numa de fazer um som independente. A gente se alternava entre as bandas e tocava em eventos. Também circulo pelo País em formato voz, violão e piano, como se tivesse preparando o terreno para levar o resto da turma comigo.
Vira e mexe você se apresenta com seu pai, seu avô, que o chamam de “melhor músico da família” e “virtuoso”. Como é isso?
Infelizmente não toco com o meu avô. Nossa relação musical ficou no estúdio e na intimidade da casa da minha avó, mas ao vivo nunca tocamos juntos, pelo menos não desde que virei músico. Já toquei tamborim no show dele quando eu tinha 2 anos, mas acho que foi só essa vez mesmo. Em relação às afirmações deles, tem a ‘corujice’ envolvida, mas eu tenho o estudo dos instrumentos, uma afeição por instrumentistas e pela música dita virtuosa em geral e isso aflora bastante na forma que eu toco e na minha composição. Mas, em relação a eles, é um lance que você acaba sendo constantemente subestimado ou superestimado, ou por eles ou pelos fãs, muito de acordo com a pré-concepção que os outros formam de você. E claro, envolve muita pressão certas vezes.
Um dia, a Paula Lavigne falou: “Como você é bonito, menino”. Você respondeu: “Eu sou estranho”. Por quê?
Nunca me achei bonito e sempre fui estranho porque sempre fui diferente de muitas formas, das pessoas ao meu redor, das pessoas do meu espaço de convívio escolares, de trabalho e, de um tempo pra cá, dos lugares que eu frequento. Estou acostumado a ser um estranho no ninho nos lugares e me adaptar às condições.
Em entrevista que fiz com Glória Maria, ela disse que a escravidão continua existindo, só mudou de cara, e cita casos cruéis vividos por ela. Você concorda com isso? Já sofreu de alguma maneira?
Eu concordo 100% com a Glória Maria. A gente sente o preconceito na pele no cotidiano. Todo mundo que vive isso sabe, e já sofri de muitas maneiras; outras que me contam e eu não me lembro porque eu era pequeno e muitas já contei por aí. O racismo não é um assunto que eu fale com muito conforto.
Você tem um perfil mais sério, não gosta de futebol, fala pouco, tem voz grossa, daí vem o apelido de ‘Preto Velho’, dado por sua família. Mudou algo desde a infância?
Esse negócio de Preto Velho tem um fundamento porque sempre me disseram que eu tinha uma alma velha ou que eu aparentava ser mais velho. Não só pela aparência, mas pelas ideias porque sempre convivi com pessoas mais velhas, incluindo o pessoal da minha banda, do meu projeto solo e de muitas outras. Não acredito muito nesse lance de que idade tem a ver com maturidade ou da velhice no sentido espiritual. Desde a minha infância, não mudou muito não, vou ficando mais velho no sentido literal e espiritual mesmo, mas faz parte, por dentro somos todos crianças, eu e meus amigos, jovens e velhos, por fora e por dentro.