Apesar de estar muito mais no aqui-e-agora, Sylvia Martins tem zero problema ao olhar para o passado, ainda mais tendo a oportunidade de mostrar as suas virtudes – que não são poucas. A artista plástica resolveu contar os 40 anos de carreira – e muitas passagens da sua vida – no livro “Sylvia Martins”, a ser lançado na Argumento do Leblon, nesta terça-feira (21/08). Gaúcha de Bagé, mas bem carioca, ela chegou ao Rio na década de 70, para estudar – e trabalhar como modelo – e caiu direto nas rodas de bar, com Tom Jobim e Chico Buarque, além de ter conhecido muitos artistas plásticos em suas aulas no MAM. Inquieta, quis ir além do Rio: foi para Nova York em 1978, a fim de estudar na Art Student’s League e aprimorar suas técnicas em arte abstrata. Assim como no RJ, sua espontaneidade e facilidade de virar amiga, desde os primeiros contatos, foram junto. Através da dica de um amigo brasileiro, foi parar na The Factory (A Fábrica), estúdio de arte fundado por Andy Warhol (Sylvia foi a única brasileira citada em “Diários de Warhol”) – para muitos, o centro do mundo e de uma certa loucura.
De lá, começou a frequentar o Studio 54 e seus notívagos notáveis. Logo no início, conheceu o então promissor ator Richard Gere, com quem viveu por seis anos. Na lista amorosa, também está o empresário grego Constantine Niarchos, filho do bilionário armador grego Stavros Niarchos, que morreu aos 37 anos, em 1999, em Londres; eles se casaram em 1997. Viúva, ela voltou para Nova York, alugou um estúdio no Soho (que mantém até hoje). Do tempo no apartamento precário de Chinatown até uma vida bem dinheiro-não-é-o-menor- problema-pra-mim, Sylvia segue tendo a arte como uma das coisas mais importantes de sua vida, agora, páreo duro com a ioga. Sylvia costuma estar no Rio, no belo apartamento no Arpoador, pelo menos três vezes ao ano. Na cidade carioca já fez exposições no Museu Nacional de Belas Artes, no Paço Imperial, no Centro Cultural Correios, por exemplo, além de ter trabalhos em grandes coleções.
O livro vem da sua memória ou teve alguma ajudinha?
Este livro só existe porque, desde o final dos anos 70, escrevo diários. Todas as coisas que aconteceram (até as coisas mais triviais) estão anotadas, coladas: fotos, convites, momentos etc.
Quando você diz que conviveu com Andy Warhol, trabalhou com Armani, entre tantos outros nomes, isso é uma coisa hoje em dia distante pra você? Tem alguma curiosidade desses tempos?
No final dos anos 70, eu conheci no Rio o editor da revista Interview, Bob Colacello. Eu tinha acabado de me formar na Faculdade de Comunicação Hélio Alonso e estava querendo estudar arte em Nova York. Ele sugeriu que eu procurasse Andy Warhol na Factory (estúdio dele na Union Square). Foi o começo de uma vida enlouquecida e maravilhosa. A Factory era uma espécie de ímã: pessoas convergiam para lá. Conheci muitos artistas interessantes que trabalhavam para Andy ou simplesmente que apareciam por lá para pré-festas e iam para o clube mais famoso, o Studio 54; tinha também o Area, que veio depois, e o Xenon. Andy era uma pessoa deliciosa, pelo menos eu achava isso. Uma noite, perguntei a ele como mantinha a forma já que ia a tantos jantares e não engordava. Ele falou que só comia a metade do prato e, assim, mantinha a silhueta. Aprendi essa!
E como aconteceu Richard Gere?
Um dia, na Factory, eu estava olhando a Interview e vi uma matéria com um ator novo, bastante atraente… Chamava-se Richard Gere. Andy disse que ele ia ser “muito famoso”. Algumas noites depois, nos conhecemos em um restaurante em Uptown. Foram seis anos de relacionamento; nunca nos casamos como as pessoas pensam. Foi mais um “relacionamento aberto”, porque ele tinha a vida dele e eu, a minha. Muito melhor assim, pois quem queria estar numa relação certinha em Nova York, no começo dos anos 80? Queríamos ser pássaros, voar, voar…
Como foi o trabalho com Giorgio Armani?
Em 1980, durante as filmagens do filme “Gigolô americano”, conheci Gabriella Forte, então diretora da casa Armani (quem fez os figurinos do filme), e ela me convidou para trabalhar, ajudando a procurar tendências, ideias de como as pessoas se vestiam na cultura dos “clubes”. Foi um ótimo emprego! Eu me divertia e ainda ganhava US$ 500 por semana. Dava para pagar o aluguel, e fui ficando na cidade…
E a vida em NY nessa época?
Nós éramos um grupo de brasileiros: Hugo Jereissati, José Paula Machado, Carlos Souza, Tereza Scharf, dentre outros. Eu acordava, ia estudar arte, trabalhar e dançar. Era a cultura do “sexo, drogas e rock’n’roll” – uma vida louca que parecia ser a única opção possível. Mas, no Rio, era bastante igual: existia também uma cultura da noite… Vamos dizer que isso era “a louca década de 80 em todos os lugares”. Claro que toda aquela promiscuidade resultou em fatos tristes. Em meados dos anos 80, muitos amigos ficaram doentes e morreram de AIDS, entre eles Keith Haring, Robert Mapplethorpe e outros. No final dos anos 80, Nova York estava meio cinza, triste…
Você chegou a ter um negócio em NY, não é?
Sim, resolvi, junto com uma amiga, abrir o restaurante 150 Wooster. Foi um sucesso! Gente bonita, iluminação sexy, música brasileira, e todos os artistas iam lá. Era um lugar para se sentir bem. Trabalhava muito e quase não tinha tempo para fazer arte. A parte chata é que tive que largar meu emprego com Armani – o salário do restaurante era quase o mesmo. Mas descobrimos que nosso sócio estava roubando dinheiro. Ali investi tudo o que tinha e tivemos que fechar. Mudei para um apartamento horrível em Chinatown, cheio de barulho, barata, fedorento, uma tristeza…
Como isso mudou?
Graças a Deus, consegui um estúdio em NoHo (abreviatura de North of Houston Street, em contraste com SoHo), o que foi uma bênção. Eu estava dura e morando mal nos anos 90. Nessa época, reencontrei Constantine (Niarchos), que estava se separando da mulher. Ficamos em contato e nos casamos. Foram anos muito bacanas – eu gostava muito dele. Moramos em Londres e, quando ele morreu, voltei para NYC.
Desde lá, muitas mudanças?
Posso dizer que muita coisa mudou. Voltei a namorar, trabalhar, estava expondo bastante. Encontrei o estúdio mais bacana de se trabalhar no Soho, e lá estou até hoje.
Tem saudade daquela época?
A vida é difícil para a maioria das pessoas. Sofri bastante, ri muito, mas não tenho saudade do passado de jeito nenhum. Estou focada no aqui-e-agora. Levo muito a sério minha prática de ioga todos os dias. É o melhor hábito que jamais adquiri.