O artista plástico Gabriel Giucci, 28 anos, conseguiu extrair nove impressionantes expressões em pinturas de 5 x 5 cm de um dos mais falados momentos recentes da política brasileira: as imagens do animado jantar de Sérgio Cabral e amigos em Paris, em 2009, conhecido como “Farra dos Guardanapos”. A exposição vai ser inaugurada na Galeria Aymoré, na Glória, no próximo sábado (01/09). O episódio se tornou público em 2012 e marcou o auge do período de Cabral como governador do Rio – ao lado de alguns poderosos à época (pelo menos 10 deles atualmente encrencados com a Justiça), como os empresários Georges Sadala e Fernando Cavendish e os secretários Sérgio Côrtes e Wilson Carlos. Giucci começou a pintar políticos em 2014, personagens da Operação Lava Jato, quando ainda morava em Nova York (ficou na cidade americana de 2012 a 2016), e seu, digamos, gosto pela política foi muito influenciado pelo avô, o sociólogo e cientista político Hélio Jaguaribe.
Como surgiu a ideia de pintar as expressões da “Farra do Guardanapo”?
Desde 2014, eu já vinha trabalhando com os personagens da Lava Jato, porque via nos noticiários uma situação extraordinária. Quis começar no âmbito nacional e passar para o regional (Rio). No decorrer das notícias, vi uma série de coisas que não dei muita ênfase na época, mas já estava cansado da Lava Jato. Lembrei-me da “farra”, fui ver de novo na Internet e fiquei abismado com a euforia das fotos – elas são impactantes. Eles parecem embriagados, vermelhos, com dentes aparecendo, daí pensei que dariam bons quadros, claro, sem enaltecer e nem criticar de forma partidária, mas pelo lado da euforia, a questão do poder, uma comemoração nefasta, descontrolada. No aspecto de como está o Rio atualmente, isso é lamentável, mas coloco de lado e foco nas questões da condição humana, como uma reflexão. Tive que desassociar a pessoa do cargo e concentrar minhas atenções na incrível expressividade e força que algumas das caras envolvidas no escândalo possuíam.
Seu avô é o responsável pelo seu interesse político?
Eu acho que, do universo que meu avô permeava nas conversas em casa – que eu só escutava e não entendia nada -, algo ficou, sim. Mais tarde, olhando sua trajetória, as questões de pensar o Brasil de forma sociológica, quando eu ainda estava nos EUA, existe uma influência muito grande dele no meu trabalho. Meu interesse é plástico, claro, mas existe. As considerações de como eu vou desenvolver isso tem uma questão sociológica muito grande.
O que mais te revoltou nas fotos da farra?
A qualidade era tão boa que não é um sentimento de revolta, mas de reflexão social. De certa forma, todos nós possuímos uma felicidade, uma malandragem similar, não exatamente igual, mas existe a euforia, a coisa do carnaval… Não tem algo que indignou, mas aquela comemoração era algo inapropriada, uma exaltação ao poder, um deboche triste. É uma euforia, mas uma euforia decadente, com essa bipolaridade.
Olhar para esses políticos o deixou triste?
Fiquei num cansaço extenuante. É uma energia pesada ficar pintando essas “facialidades” deprimentes que você acaba entrando num mundo caótico. Agora não estou conseguindo mais dar conta – é pesado.
Qual a figura mais representativa da “farra”?
A feição do Wilson Carlos está incrível. Todos têm uma expressividade inacreditável, mas ele faz duas caretas surreais. A cara dele está tão laranja que parece um emoji. Sabe quando você escreve uma mensagem para o seu amigo e manda aquelas carinhas? É muito parecido.
E acredita que vá vender algum desses trabalhos?
Ninguém quer ter a cara do Sérgio Cabral em casa; em termos mercadológicos, o retorno é pífio. Tem que explicar às pessoas que é um reflexo da atualidade. Por isso fiz da maneira mais bonita possível e, em termos históricos, pode ser um investimento pela representação do nosso tempo. Mas não é fácil vender isso.
Pensou em retratar outros políticos?
Já pensei em fazer do (Marcelo) Crivella, do (Jair) Bolsonaro, mas, se continuar assim, vou ficar até as eleições de 2020 fazendo retratos. Eu acho que essa representação está fechada, o ciclo, que começou com a Lava Jato, depois a “farra”. Tenho um projeto mais pessoal e pretendo me desligar um pouco da política.
Acredita que vai ver esses rostos num aplicativo de celular?
Fiz telas de cinco centímetros porque queria muito que virasse o mais próximo a um emoji. É muito difícil representar uma emoção numa tela pequena, mas, na exposição, são elas que mais aparecem. Cada uma das nove expressões são um emoji diferente, não repeti nenhuma. Tem um com a boca aberta, como se fosse um grito, outro com um olho estrelado, e também com os dentes aparecendo. Adoraria ver isso nas conversas de WhatsApp.
Foto: Pedro Dias