“Apesar de já ter pensado em fazer um retiro de silêncio, demorei muitos anos para realizar esse desejo. Era sempre assaltada por um medo que eu não conseguia confrontar; então preferia não sair da zona de conforto. Esse desejo vinha apenas caminhando ao meu lado, esperando o momento certo para acontecer. Nos últimos 15 anos, vivi na minha vida pessoal e profissional, momentos de muito trabalho e intensidade emocional.
Às vezes penso que foram várias vidas ao mesmo tempo, tamanha era a variedade: de grandes perdas a bons acertos, entre muitas descobertas e vários tropeços. Casei, fiz tratamento para engravidar, fui mãe, criamos um festival de cinema para crianças, perdi meu melhor amigo e minha mãe, dirigi um filme, aceitei o convite para a diretora do Theatro Municipal, onde realizamos o seu restauro. Perdi meu pai, produzi o filme “Getúlio”, me separei, perdi minha avó. Dirigi 6 óperas e 5 concertos, fui convidada para ser Diretora de Cultura dos jogos Olímpicos. Foi assim até janeiro de 2017. Meus dias eram tão cheios que anestesiavam todas as dores que eu senti durante aquele período de grandes perdas emocionais. Mas eram esses dias, lotados de trabalho, que me alimentavam de alegria e de histórias para contar aos meus pais, que estavam se despedindo da vida.
Como trabalhar para mim é uma alegria que pouco me cansa e muito me alimenta, o excesso de trabalho sempre me coloca num estado de anestesia e torpor que não existe espaço para sentir nenhuma dor. Quando tudo acabou, pensei que seria impossível viver 5 dias sem falar. Que medo da solidão e do silêncio! Mas a vida, assim como os rios, corre sozinha, alheia à nossa vontade, e o tempo nos traz a coisa certa na hora certa. Conheci Sri Prem Baba este ano. Já havia lido seus livros “O Propósito” e “Amar e ser Livre” quando fui fazer o Retiro do Silêncio em Piracanga com ele, em julho. Foram dias muito especiais, em que pude me dedicar a ficar comigo. E, ao contrário do que eu imaginava, esse encontro com o silêncio me aliviou as dores mal resolvidas as lágrimas não choradas e iluminou muitas descobertas. O silêncio é um alívio e nos coloca num estado de reflexão muito diferente de quando estamos falando. Nos faz pensar melhor e aumenta a nossa escuta interna.
Pensei muito sobre o ato de agradecer – como eu agradeci pouco aos meus pais e às pessoas que tanto me ajudaram a me construir ao longo da vida. Consegui ressignificar muitas vivências e sentimentos no silêncio e pude encontrar soluções para situações que eu vinha lutando, sem encontrar saída. Depois de passar por essa experiência, aconselho todos a provarem esse momento de mergulhar no silêncio, sem medo de nada, porque, com certeza, o mais difícil desse encontro vai ser voltar a falar”.
Carla Camurati é atriz, roteirista, produtora e cineasta. Está dirigindo o documentário “História do tempo presente”, sobre política brasileira: de 1989 até o próximo presidente da República.