O nome parece lugar comum para um livro sobre o assunto: “Consultório de Psicologia”. Porém, como na maioria das coisas, as aparências enganam: a publicação, que vai ser lançada nesta sexta-feira (08/06), na Livraria Cultura, do Fashion Mall, a psicanalista e psicóloga carioca Cynthia Bezerra fala sobre as questões mais recorrentes e angustiantes da atualidade em 26 artigos – estão lá solidão, ciúmes, depressão, medo de perder, corpo que fala. No fim de cada capítulo, ela dá uma receita culinária associada ao tema; ela é cozinheira das boas e acredita que a melhor forma de “arrumar a casa interna” é cultivando hobbies. Tanto que o chef Pedro Benoliel manda um recado no prefácio: “Cozinhar é um ato de autorreflexão, é lúdico, é colocar em prática a sua criatividade, traduzir quem você é em sabores, formas, cores. Por isso, penso que unir artigos com gastronomia é uma grande possibilidade de experiências transformadoras.”
Como surgiu essa ideia de unir a Psicologia à Gastronomia?
Foi muito intuitivo, mas sempre quis reunir as duas coisas. Depois da Psicologia, minha grande paixão é cozinhar porque há um mecanismo de defesa, dito em 1911 por Freud, o qual se chama sublimação, que é a transformação da dor ou do conflito em algo bom, que esteja a seu serviço, que tenha sido feito com as suas mãos. A gente pensa que só grandes artistas, como Monet ou Picasso, são capazes de sublimar naqueles quadros maravilhosos – qualquer um pode fazer isso. Seria uma válvula de escape, só que muito mais profunda.
E o que as receitas têm a ver com isso?
No artigo “A prevenção das drogas começa no jardim da infância”, a receita é um bolo de chocolate, que toda criança ama; no capítulo ‘Bullying’, é um arroz de pato porque, na minha época, os bobos eram chamados de patos; sobre depressão, tem o mousse de chocolate, já que o ingrediente é comprovadamente antidepressivo… e por aí vai.
Quais são as maiores queixas no seu consultório?
Tentei falar sobre 26, mas geralmente giram em torno do amor, que tem uma força poderosíssima quando bem direcionada, mas, quando ela é mal manejada, é destruidora, e o medo da perda, que são assuntos recorrentes. No entanto, a grande maioria vai ao consultório por solidão – nunca estivemos tão conectados e tão sozinhos. As redes sociais colaboram com isso porque nunca tivemos tanto acesso às pessoas e tão longe delas. E também o ciúme. Um casal vivia aquela relação, e o dia em que não desse certo, cada um ia para um lado. Hoje há uma convivência online maciça noite e dia e a desconfiança de que a pessoa está te traindo no computador. É uma insegurança natural e compreensível humanamente, porque há uma oferta e uma exposição muito grande, de nós e do outro.
E por que “o ser humano nunca deu tanto defeito”?
Hoje temos muitas ferramentas a nosso favor. Nunca existiram tantas linhas espirituais, religiosas, onde você tem o direito de ser o que quiser, milhares de leituras e acessos a tantas fontes do que há 50 anos. Vejo que o ser humano nunca deu tanto defeito no sentido de estar sozinho, desamparado e infeliz. A terapia pode ajudar no encontro de você mesmo. Há uma série de perguntas que, sozinho, você não encontra.
O que quer uma mulher, afinal?
Há 130 anos, existia uma série de fenômenos em que a mulher não tinha o direito de se manifestar, sentir prazer etc. A figura feminina estava doente e, em resposta a Freud, digo que a mulher não quer carregar o mundo nas costas; nem todas nascem para ser mães – é fato -, mas são capazes de amar incondicionalmente um animal, por exemplo. Não querem falsidade, querem trabalhar, aprender, ensinar e se apaixonar. Há tempos, a mulher sabe o que quer e já pode falar sobre sentir prazer ou aprender a melhor maneira de dar prazer, quer diversão, arte, sonho. Querem pagar as contas, assumir consequências e não ficar num casamento infeliz.
Como driblar o estresse do cotidiano?
Quando você conhece suas limitações, pode desenvolver uma rotina a seu favor. São coisas boas, como usar meia hora do almoço para fazer uma massagem, chegar em casa e fazer a própria comida, pegar uma roupa e fazer uma bainha (quando eu costuro, dou um jeito no mundo inteiro). São dicas práticas e objetivas. Não adianta sofrer, por exemplo, com a situação política do País, com a greve dos caminhoneiros ou quando o Crivella faz ou fala um monte de besteira, porque isso não está no seu controle. Quanto mais acesso você tem a coisas que não lhe interessam, mais estressado vai ficar. Devemos aprender a nos desligar do que não nos interessa; não precisamos ler todos os jornais porque estamos entupidos de coisas que não nos servem. Experimente ficar sem acesso ao que não lhe interessa por quatro dias. Garanto uma melhora no sono, menos pesadelos.
E as redes sociais?
As pessoas estão num “Big Brother” eterno, tiram fotos e postam o tempo todo, numa histeria coletiva. Não existe privacidade entre casais, sejam heteros, gays ou o que for. Estamos conectados o tempo todo com tudo, queremos ver o que o outro está comendo, em que país está… Isso pode causar ora depressão, ora euforia, o que lembra a bipolaridade. Mas as pessoas já entenderam que nem sempre aquilo que elas veem corresponde à realidade, porém ainda não sabemos como nos desligar dessa coisa toda. Outro absurdo é o excesso de grupos no WhatsApp, com aquele ruído infernal a noite inteira. Mesmo que você silencie, tem alguém enviando mensagem às 4h12 da manhã, que não serve pra nada. No entanto, as pessoas já estão começando a aprender que não fica feio sair de um grupo e dizer adeus.
Foto: Bruno de Lima