Eduardo Faveret é o nome quando se fala em tratamentos à base de canabidiol, uma das 113 substâncias químicas encontradas na cannabis (substância extraída da maconha). O neurologista, do Instituto Estadual do Cérebro (IEC) e diretor da Associação de Apoio à Pesquisa a Pacientes de Cannabis Medicinal (Apapi), acaba de participar do seminário internacional sobre o assunto no Museu do Amanhã, neste fim de semana, ainda envolto em muita polêmica esbarrando em burocracias, preconceitos e falta de conhecimento. Faveret acompanha mais de 300 pacientes que fazem uso do remédio, liberado para importação em 2014 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Quando o canabidiol produzido no Brasil terá qualidade comparável ao americano?
As alternativas estão se multiplicando. Antes, era só nos Estados Unidos, onde é vendido como suplemento alimentar; então, o controle é menos rigoroso. Aqui, já existe uma cooperativa, a Abrace Esperança, na Paraíba, que já tem uma autorização para o cultivo coletivo. Existem várias outras em funcionamento no País, produzindo óleo com qualidade, mas que não são reguladas – daí o risco de ter pessoas que fraudam, exatamente porque não é uma coisa totalmente oficial.
Quais as mudanças que seus pacientes tiveram com o canabidiol?
Mudanças no controle das crises epiléticas (entre 10% e 20% ficaram completamente controladas), no tratamento de câncer, esclerose múltipla, ansiedade, depressão, dor etc. E estamos falando de pacientes que eram resistentes a todos os outros tipos de tratamento. Cerca de 45% tiveram uma melhora muito grande, e 80% tem alguma melhora. Também percebi uma melhora na ansiedade, sono, humor, tensão, doenças inflamatórias em geral, melhora do colesterol, obesidade, depressão, lúpus, diabetes, parte cognitiva e motivacional.
Que medicamentos podem ser substituídos pelo canabidiol?
Tem pessoas que estão tomando vários medicamentos para uma doença só. O canabidiol age de forma conjunta, ajudando nas diabetes, doenças inflamatórias, como as autoimunes; na psiquiatria, ele é um medicamento revolucionário por ter o menor perfil de efeitos colaterais e atuar de forma ampla; pode substituir vários anticonvulsivantes, anti-inflamatórios, que fazem mal para os rins, e os corticoides, que causam imunossupressão, e ajuda a combater a osteoporose. O canabidiol também substitui remédios para dor, como os opiáceos (derivados do ópio), o que já aconteceu em países com acesso liberado ao medicamento, que diminuiu em seis vezes o consumo de morfina e derivados, além de remédios de quimioterapia.
Pela sua intimidade com o assunto, sendo médico, falta muito para ser liberado, sem a burocracia atual com a Anvisa?
Eu acredito que não falta muito para ser liberado. Deve acontecer ainda neste governo, mas, se não for agora, só depois das eleições; aí também vai depender muito de quem entrar e de qual rumo o País vai tomar. Mas, sem dúvida, pelo avanço em todos os países em termos de ciência e que não há explosão de consumo, que há a redução de mortes por conta da diminuição dos efeitos colaterais, a gente tem que batalhar pra isso acontecer rápido. Do contrário, vamos ficar só comprando coisas de outras nações.
Qual a melhor administração do remédio?
Uma delas seria a via oral, a de menor aproveitamento porque, ao cair no estômago, ele vai ser transformado no fígado, e você vai ter uma perda grande dos fitocanabinoides. Então, melhor que ingerir, seria colocar as gotinhas na mucosa da boca para deixar absorvendo por alguns minutos. Tem pessoas que fazem nasal, por spray ou sublingual. Existe também a administração transcutânea, usada na pele da nuca; e o fumo ou vaporização – na primeira tem a fumaça que contém outras substâncias, não sendo a ideal; já a vaporização do óleo (como naquele cigarro eletrônico) dá resultado em 10 minutos – muito interessante em casos de dor e ansiedade. O problema é que, na vaporização ou no fumo, o efeito dura menos, de quatro a cinco horas, enquanto, na mucosa, você pode tomar só duas vezes ao dia.
Acredita que existe um preconceito, uma confusão no uso da substância como remédio e o uso recreativo?
Ainda existe bastante preconceito da população geral, mas principalmente dos médicos, que ainda estão muito pouco informados. É preciso trabalhar isso na grade curricular do profissional de saúde. Os próprios médicos ainda confundem o canabidiol com o THC, uma substância psicoativa que tem algum risco psiquiátrico e cognitivo para uma população específica. Podemos dizer que o uso social ou recreativo também é um uso medicinal, até certo ponto, porque, da mesma forma que algumas pessoas tomam uma taça de vinho para relaxar, usam a canabis para dormir melhor, para aumentar a libido; então, muitas vezes, é uma necessidade, mesmo que ainda não seja claro que ela é uma pessoa doente, mas usa para o seu bem-estar. Existe, claro, a situação do abuso: a pessoa que tem uma tendência às drogas e que vai passar a fazer uso regular de forma pesada, diária, que vai comprometer o dia a dia.