“O documento assinado pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888, chamado de Lei Áurea, que pôs fim a séculos de escravidão no Brasil, na minha opinião, é quase uma ficção. A escravidão é praticamente a mesma. A diferença é que as correntes eram visíveis, depois passaram a ser invisíveis, mas estão aí mais firmes do que tudo – percebidas por qualquer negro.
O brasileiro tem preconceito e diz que não tem, preferia que fosse autêntico em vez de velado. Em várias situações, penso em processar certas pessoas, mas alguns não entenderiam nem por que estariam sendo processados. Até hoje, muitas vezes, quando vou à casa de alguns amigos, os porteiros sugerem que eu pegue outro elevador – o de serviço. E digo apenas: ‘Não trabalho aqui’. Se chamam meu filho de macaquinho, deixo passar. É tanta injúria, tanta dor, tanta impotência que desisti de brigar – só vejo manifestações nas datas comemorativas, e, assim, continuamos pisoteados. A cota racial está aí pra provar isso. É como estabelecer que o negro não tem inteligência.
Vou vivendo com esse peso nas costas. Muitas vezes penso que, investindo e melhorando a educação, aliviaria o racismo na mesma proporção. Sou muito esperançoso em tudo, inclusive no futuro da juventude. A vida da próxima geração pode ser melhor; até lá, seguimos na chibata.”
Cosme Martins é artista plástico.