Cazuza, um dos maiores nomes do rock nacional da década de 80 (de 90, de 2000, 2010, 2020 e, talvez, de todas), faria 60 anos nesta quarta-feira (04/04). O poeta continua atual e exagerado, seguido por gerações. Desde sua morte, em 7 de julho de 1990, Lucinha Araújo, mãe do artista, é que mantém vivo o nome do filho e seu legado. Dor de mãe, sabemos, não passa, mas ela é alegre, espontânea, divertida, falante – também quando está à frente da Sociedade Viva Cazuza, fundada há quase 30 anos, ONG que cuida de crianças e adolescentes soropositivos, sem jamais posar de vítima. “Quanto mais velha eu fico, mais eu falo; virei uma verborrágica”, diz, enquanto lembra a amizade do filho com personagens tão diferentes dele, como o atual ministro Luís Roberto Barroso, com quem estudou em Vassouras, de quem ela fala com admiração.
O “maior poeta da (quela) geração”, segundo Caetano Veloso, na década de 80, vai ganhar inúmeras homenagens pelo Brasil, como um show no Circo Voador, comandado pelos irmãos Wilson Sideral e Rogério Flausino, aprovadíssimo por Lucinha – ela, até, cedeu à dupla poemas inéditos escritos pelo filho, e um deles será apresentado durante o show. Dentre os planos de Lucinha, está a criação do Centro Cultural Cazuza, em Vassouras, a pouco mais de 100 Km do Rio, que deve ser inaugurado dia 11 de maio, com show de Sandra de Sá na praça central da cidade e, no dia seguinte, de Gilberto Gil.
As datas comemorativas são difíceis pra você?
Não são. Hoje, por exemplo, o dia em que tive o Cazuza, só penso nas boas, até porque tudo que era ruim já aconteceu comigo. Sou sozinha e Deus. Perdi meu único filho e meu marido, de um casamento de 58 anos; então, tenho que me agarrar às boas lembranças.
Você vendo a música popular brasileira hoje, representada por Pablo Vittar, Jojô Todinho, muitos sertanejos, como acha que o Cazuza se posicionaria?
Falo por mim: a gente está numa fase pobre – Roberto Carlos, Gil, Caetano, Renato Russo … não tem mais. O Brasil anda carente da boa música popular brasileira.
Agora, com o movimento gay, de que o Cazuza não participou, fez ele mesmo seu movimento, como veria o panorama atual?
Não levantou bandeira sobre isso e dizia “minha bandeira é a música brasileira”. Sempre falava que não queria que nem um cachorro na rua o seguisse; fazia o que queria da sua vida. O exemplo que meu filho deixou, o legado do Cazuza foi a coragem: ele se declarou soropositivo. À época, a AIDS era chamada de “a doença maldita”. Hoje é fácil. Ele me disse que quem escreve “Brasil mostra a tua cara”, não pode esconder a sua naquele momento.
Sobre o momento político atual – da “piscina cheia de ratos e o museu de velhas novidades” -, como o Cazuza reagiria?
Devia estar esperando o Brasil mostrar a sua cara; até hoje, só estamos levando na cara.
Qual sua opinião da votação do STF sobre prisão em segunda instância?
Por que o Lula é diferente dos outros? Tem que ter tratamento igual pra todo mundo. Tenho um vídeo do Cazuza sobre política, onde ele diz achar que poder é alternância. E olha que ele era petista, mas dizia que tinha muito medo do que eles fariam com o poder. Já o João (Araújo, seu marido por 58 anos) estaria pensando no que daria essa excrecência toda.
Você disse, certa vez, que recebe sinais de Cazuza… Como isso acontece?
Não sou espírita, recebo cartas mediúnicas, mas não quero saber. Mas é verdade: sempre recebo sinais, por exemplo, faço uma pergunta de mim pra mim, e a resposta está se, naquela hora que eu ligar o rádio, ele estiver cantando. Se estiver, a resposta é sim. Já aconteceu mais de 10 vezes.
O que você mudaria na relação com seu filho?
Não mudaria nada, éramos perecidos. Nossa vida foi intensa, bem inflamada: um ariano e uma leonina. Filho não vem com bula. Os erros que cometi foram por ignorância. Fui muito rígida, por exemplo, botando meu filho pra estudar no colégio Santo Inácio, aquele colégio careta. Que falta de sensibilidade a minha!
Ainda existem coisas não descobertas sobre Cazuza?
Tem várias letras inéditas que não foram musicadas – pretendo lançar um disco só de inéditas. Gostaria que tivesse ficado pronto para agora, aniversário dele, mas não ficou. Flausino já gravou, Xande de Pilares gravou, Brown gravou.
Acredita que vai encontrar seu filho um dia?
Vou encontrar meu filho, se Deus quiser – ele pode esperar um pouquinho. Fisicamente, sinto muita saudade tanto dele como do pai (João Araújo). Eu ainda tenho muita coisa pra fazer; só mais uns aninhos que eu não quero ficar decrépita.