Tocou o interfone. Atendi. Meu porteiro, com voz tensa: “Dona Lu, tem um homem que veio cortar o gás”. Implorei: “Não, seu Jovino, não permita! Está pago”. Ele respondeu: “Então, manda o recibo.” Fui correndo e finalmente achei. Apertei o botão do elevador; do sétimo andar, vinha uma moça de cara boa, a quem pedi: “Entrega lá embaixo pra mim”. Enquanto isso, lembrei que ela é a moradora do ex-apartamento do Cazuza – o que ele faria nesta hora? Minutos depois, fico sabendo que era uma conta antiga. Existe a merda do recibo? Sumiu. Pensei: como deve ser boa a vida de quem não tem parceria com a desordem, como sempre me fala a minha professora de “assuntos da vida”, Camilla Amado. Resolvi descer e pedi: “Senhor, não corta, vai ser pago assim que a CEG mandar uma cópia da conta que não chegou”. E ele: “Sinto muito, não posso fazer isso”. Reagi no automático: “Por favor, não vivo sem chá, clara de ovo e gelatina”. Recebi de volta um olhar de piedade e, talvez, de dúvida da minha sanidade. Nisso, chega uma mensagem no Whats: era de uma amiga psicanalista mandando uma versão da Ave-Maria” (poderia ter vindo em pessoa, hein, querida?). Lembrei-me imediatamente da minha mãe, que morreu jovem – ela, que amava essa música, teria chorado com a cena. Chorava por tudo. Gás cortado. Pensei naqueles que não teriam como pagar a conta e com problemas além do meu de agora, a desorganização. Subi com Ave-maria rolando no i-Phone 7, aparelho um pouco velho, logo, logo, não vai valer mais nada (me faz sentir roubada). Sentei-me na minha poltrona mole, como faço quando quero relaxar, e publiquei o vídeo no Insta. Logo vi que a Leilane tinha compartilhado com o padre Fábio de Mello. Precisaria saber como os homens santos reagem aos problemas, qualquer que seja o tamanho deles. E comecei a cantar baixinho: “Brasil, mostra a tua cara” – de quem? Do Cazuza; suponho que atualmente sem nem pensar nas miudezas terrenas. Fiquei agradecida por ele não estar vendo tanta coisa como vemos hoje. Respirei, ainda com a malha da Ioga, agradecendo também ao mestre Iyengar, que tenho no coração e me ajuda na busca diária do autocontrole, esse sim, o maior de todos os bens. E o desamparo chegou com tudo, tirando-me o apetite, o que não é de todo mau, eu sei. Mas não a esse preço. Falei de mim pra mim: a quem eu pediria ajuda se não tivesse dinheiro pra pagar a conta? A quem? Fiquei ainda mais desamparada, lembrando-me agora do Crivella e da pilha de impostos. Socorro!