Depois de 31 entrando com vários recursos no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o fotógrafo Marco Rodrigues ganhou, finalmente, o direito de morar na cobertura no Leblon que comprou com o ex-marido, o artista plástico Jorge Guinle Filho, ainda na planta, na década de 70. “Foi a última instância, o nível mais alto da Justiça. Não cabe mais recurso. O apartamento é meu e ninguém mais pode me tirar”, diz Marco. Por unanimidade, a 4ª Turma do STJ manteve a decisão do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), que lhe dá o direito sobre o apartamento onde viveram juntos por 17 anos.
Depois da notícia, Marco saiu de casa e foi tomar um drinque, sozinho, no Parque Lage, na noite dessa terça-feira (13/03). Ali, brindou em silêncio à memória de Guinle (filho do playboy Jorginho Guinle), que faria 71 anos nesta quarta-feira (14/03), e acendeu uma vela em sua homenagem. Tudo começou depois da morte de Jorge, em 1987 – na época, a Justiça não reconheceu um testamento no qual o artista deixava 50% de seus bens para o marido, inclusive o apartamento. Dois anos depois, o juiz José Batalha reconheceu o testamento que favorecia o casamento homoafetivo, então, uma decisão inédita no Brasil. No entanto, a mãe do artista plástico, a americana Dolores Sherwood Bosshard (que morreu em 2014, com quase 100 anos) recorreu e ficou com 75% da herança do filho – os outros 25% foram para o pai, que, atolado em dívidas, transferiu sua parte para Estevão Wermann. O caso foi parar nos jornais nacionais e internacionais. Em 2007, Marco chegou a ser despejado do imóvel, mas voltou dois anos depois, de onde nunca mais vai sair.
Qual a sensação dessa vitória?
Eu fiquei muito emocionado, porque hoje é dia do aniversário dele (Jorginho) e fez um dia lindo. Estou muito feliz porque estamos passando uma época de incertezas no País, na cidade, e daí vem essa certeza máxima, definitiva, a maior, que é o reconhecimento da minha presença nesse imóvel.
E o próximo passo?
Aguardar que o apartamento passe definitivamente para meu nome. Na época, o Jorginho colocou a escritura no nome dele, por isso a confusão toda.
Você tinha uma boa relação com a mãe dele?
Sim. A Dolores era uma mulher de muita personalidade, linda, envolvente, manipuladora, mas que virou reacionária. Posso resumir com a palavra ganância – que se manifesta de mil maneiras nas pessoas. Olha o Sérgio Cabral, que começou a delirar dentro do seu poder… A família do Jorginho tinha vários imóveis; não precisava de mais um, mesmo porque acho que esse apartamento, é nada em comparação com a fortuna deles. Tive que mandar o Jorginho para a mãe cuidar em Nova York, porque ninguém conseguia informação sobre essa doença maldita (Aids). Ele morreu lá e ela trouxe as cinzas para uma cerimônia no mausoléu da família, no São João Batista. Eu nem fui convidado.
E depois?
Nunca mais nos falamos, mas soube que ela mandou erguer um altar perto de uma igreja católica onde ela morava em Nova York, na Park Avenue, com o nome dos Jorginhos (pai e fiho), o dela e o meu, que foram as pessoas que mais amaram o filho dela.
E como foi pra você essa perda?
Como se fosse uma nuvem preta que apareceu no meu céu de Brigadeiro. Tivemos uma história de amor, viajamos muito e curtimos cada momento. Demos um tempo do País durante a ditadura e moramos entre Londres e Paris. Quando voltamos, ele trouxe muito entusiasmo pelas pinceladas. Foi no Parque Lage que ele contagiou toda a rapaziada boa que deu origem à Geração 80. Quando chegamos, as pessoas estavam meio perdidas, e o compromisso maior era com a tela virgem, era criar. Nunca mais tive relacionamento com outro homem.
Como é olhar para trás e perceber o que você conquistou, como essa luta dos casais homoafetivos pelos mesmos direitos?
É maravilhoso. Criei jurisprudência no Brasil em 1989, com o reconhecimento do meu casamento, e o juiz tentou me proteger ao máximo. Eu tirei o Brasil do século XIV e o lancei no XXI. O que a gente não pode perder é a fé em Deus, a saúde e ver que a Justiça tarda, mas não falha – no meu caso. Vejo o exemplo dessas duas meninas lindas (a economista Roberta Gradel e a farmacêutica Priscila Raab), que se casaram no Copacabana Palace de uma maneira tão afirmativa e evolutiva, uma coisa de uma dignidade… Tenho 73 anos e me considero um homem moderno, sempre mudando de pele.