O roteirista André Machado criou o BeesCats Soccer Boys, o primeiro time gay de futebol do Rio, em maio do ano passado. Há seis anos morando na cidade, sentiu falta das peladas com os amigos paulistanos e começou a recrutar pessoas. Ficou surpreso com a quantidade de gente – no início eram 15, depois 40 e hoje são de 80 a 100. Esta semana, mesmo com o pastor Marcelo Crivella no comando, a prefeitura, através da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual e da Secretaria de Esportes e Lazer, divulgou que vai apoiar o time através de uma “Carta de Interveniência” – ou seja, o aval para a busca de patrocínio privado – para as Olimpíadas Gays, o X Gay Games, em agosto deste ano, em Paris.
O evento vai reunir delegações de 70 países, com 15 mil atletas em 500 provas de 36 esportes. Hoje, os BeesCats treinam no campo Só 5, em Botafogo, e está com “sangue nos olhos” para trazer a medalha de ouro pra casa. Além do time, André, junto com o Unicorns (SP) e Futeboys (SP), criaram a Liga Nacional Gay de Futebol: a LiGay. Para comemorar a movimentação nacional, o time carioca sediou e organizou a primeira Champions LiGay no ano passado, que reuniu oito equipes de seis estados do país. Hoje, André se orgulha do número crescente de times no Brasil: são 22.
Como aconteceu essa adesão tão rápida ao time?
Comecei a jogar com amigos e tinha muita gente que não batia uma bola há muito tempo, desde a infância ou adolescência, porque ficaram traumatizados com bullying e ao se assumirem gays, sofriam muito no ambiente futebolístico. Tenho casos de jogadores que poderiam ser profissionais, mas foram preteridos por causa da sexualidade. Existe essa crença de que gay não joga futebol, mas se você não pratica, não vai criar o gosto pelo esporte. O jogo, na realidade, virou um evento. Além dos jogadores, ficam até umas 50 pessoas em volta. Foi uma forma despretensiosa e não sabia que era uma classe tão desamparada.
E a ideia do nome?
Fiz uma brincadeira com as palavras em inglês Bees, de abelha, e Cats, de gatos, que num trocadilho em português acaba virando “biscate (Soccer Boys) só quer boys”.
Alguns criticam e dizem que isso gera segregação?
Adoraríamos que não fosse necessário existir times com essa temática, porém a realidade não é tão colorida quanto parece. Mas vamos pensar em quantos jogadores existem no país e quantos assumidos? Os que tem são enrustidos. Daqui a 10, 20 anos a ideia é que esse projeto não exista mais, que seja tudo misturado, estamos plantando algo que desmistifique gay jogar bola no Brasil. Mas só podemos misturar depois que mostrar que ele existe.
Existem regras no BeesCats?
Se o coleguinha jogou a bola longe, é proibido reclamar. Nosso jogo é inclusivo. A gente tem a filosofia do fair-play, vale campeonato, mas não precisa arrancar a perna do colega. O que estamos criando é uma nova cultura do futebol gay, mais leve, que envolve música, flerte, você pode dar pinta, ser quem você quiser que não tem problema. Se quiser usar um shortinho curto, pode. Tem uns mais afeminados que jogam muita bola. Queremos quebrar um paradigma. Mantemos a veia competitiva, mas sem encarar o adversário como inimigo ou rival.
E como será a logística para o X Gay Games?
Vamos começar a correr atrás de patrocínio para levar de 14 a 15 pessoas do Bees – o torneio é de sete conta sete. Criei uma vaquinha virtual, venda de camisetas, eventos etc. Mas, como estamos em tempos de crise, o valor é alto para uma empresa ou pessoa só: R$ 30 mil. Muitas pessoas têm condições de viajar e estão se bancando, mas os melhores não. Se fosse levar o time inteiro seriam necessários R$ 100 mil. A ideia é montar uma Seleção Brasileira da LiGay com jogadores de vários estados. Mas vamos de qualquer maneira a Paris. Fizemos hoje (28/02) uma escalação e vamos voltar com medalha, estamos indo pra ganhar, não para participar.
E os próximos passos?
Em maio passado tinham apenas seis times gays no Brasil, agora são 22 equipes, e estamos desenhando o calendário de campeonatos para 2019. Criamos a Liga Nacional Gay de Futebol: a LiGay e tivemos o primeiro torneio em novembro passado. O próximo vai ser em Porto alegre, dias 15 e 16 abril; e a terceira edição em novembro, em São Paulo; tem a 2ª edição da Taça Hornet da Diversidade dia 1º de junho, em São Paulo. Queremos fazer também um campeonato sul-americano em 2020.
O time tem um grito de guerra?
Tem sim, é “bees cats, bees cats… rola, rola, rola”, mas também temos o slogan “futebol é pra mano, mana e mona”. Nossa militância não é agressiva, é subversiva.